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Artista Berna Reale exibe em SP sua elogiada obra sobre a violência

“Égua!” é a expressão dita pela artista paraense Berna Reale quando comemora uma conquista. Na quinta, ela a usou ao saber que figurava na lista de um site britânico sobre as criadoras mais “porretas” da feira Art Basel Miami, que terminou neste domingo, 7. Mas há outras realizações recentes também celebradas, como a de ter sido selecionada entre os finalistas do Prêmio Marcantonio Vilaça (2014- 2015), ou a de apresentar, agora, sua primeira exposição individual em São Paulo, a elogiada mostra Vapor, em cartaz até dia 20 na Galeria Millan.

“Foi muito bom chegar velha a São Paulo”, diz, de maneira humorada, Berna Reale, de 49 anos, que vive e trabalha em Belém. Artista e perita criminal – “viver numa cena de crime é viver a realidade”, afirma, ela exibe vídeos inéditos, como Cantando na Chuva, no qual, vestida de dourado e munida de uma máscara de gás, interpreta a clássica Singing in the Rain sobre um tapete vermelho no lixão da capital paraense. Ou ainda trabalhos de sua mais nova pesquisa acerca da violência contra as mulheres, representadas como colegiais ou muçulmanas com próteses de porcelana na boca numa referência às bonecas infláveis.

“Não sei se Berna Reale concorda comigo, mas eu vejo essa artista que corta a realidade profana com alegorias pesadas, envolvida num silêncio que aumenta, apesar do barulho da rua”, escreve o curador alemão Rudolf Schmitz em texto que acompanha a mostra Vapor. Com a escolha pela “performance política”, como linguagem e interesse, essa criadora traz, muitas vezes também pela mão da ironia, questões como autoridade e impunidade. É um ato de coragem, no mínimo dizer, carregar ossos humanos de anônimos assassinados em um carrinho de mão por sua cidade, como vemos no vídeo Ordinário (2013).

“Sou uma pessoa ativa, de me posicionar, de ir para rua, independentemente de fazer parte da segurança pública”, diz Berna Reale, também funcionária do Centro de Perícias Científicas do Estado do Pará. “Acho que consigo fazer um trabalho de questões de denúncia, de alerta, de causar um ruído, mas também faço questão de não ser teórica, de trabalhar com a arte de uma maneira mais estética”, continua.

A criação de imagens fortes, muito bem produzidas, tem sido uma das qualidades vibrantes da obra da artista, que despontou no cenário com a participação no programa Rumos Visuais do Itaú Cultural 2011-2013, sob curadoria geral de Agnaldo Farias – sua chegada “velha” a São Paulo se refere, na verdade, a essa passagem de sua trajetória. Com a obra Palomo (2012), Berna Reale consagrou-se na performance em que aparece vestindo uniforme e usando uma focinheira sobre um cavalo tingido de vermelho – no ano passado, o trabalho ganhou um sentido ainda mais desafiador com as manifestações populares e a repressão. “Quando pensei esse trabalho, estava numa corregedoria por não me submeter a questões que não concordo dentro da segurança. Fiz Palomo pensando na tortura velada que tem, sim, o poder.”

O crítico e cineasta Rudolf Schmitz chama a atenção para a “forte simbologia de cores” – vermelho, azul, preto, dourado, branco, enumera – impregnada nas ações de Berna Reale. “O desafio é que você consiga chegar ao público com a visualidade”, define a artista. “Acho a semiótica extremamente importante para as artes visuais, quando você consegue definir um símbolo e com ele seu trabalho seja lido pela maioria. Porque não adianta fazer uma coisa muito conceitual. Não gosto da arte que precisa de um texto, uma tabeleta. Respeito os colegas que fazem isso, mas eu não perco meu tempo.”

Os vídeos de Berna Reale, agora vendidos por até R$ 17 mil, são o registro de trabalhos performáticos cuidadosamente produzidos, por meses, em Belém (ou na Grande Belém), onde, conta, ela conquistou a fidelidade de uma equipe que sempre a acompanha em seus trabalhos. “Gosto de fazer minhas performances na cidade porque pego o mendigo, o lixeiro, o cara que vende picolé, pessoas do cotidiano que posso surpreender, instigar o olhar e que podem me surpreender também”, afirma ainda.

Pelas escolhas dos temas de suas obras, geralmente, as ações de Berna dependem de muitas burocracias. Para fazer Ordinário, por exemplo, foi necessário passar por uma junta de advogados e de instâncias públicas para que fosse permitido utilizar ossos humanos de verdade. “Foi um projeto caro e longo.” Em outra criação, Imunidade, a artista navega por um canal de esgoto numa espécie de gôndola cheia de pequenos ratos brancos. Sem falar, ainda, do impactante vídeo Americano, gravado em complexo penitenciário em Santa Izabel do Pará. Em sua atitude e qualidade, enfim, a obra de Berna Reale se coloca como uma das poucas vozes da arte realmente politizada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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