Recluso e completamente avesso aos holofotes, Fauzi Arap (1938-2013) alimentava as lendas que surgiram ao seu redor. Tinha horror a fotos, trancava-se em casa, fugia de entrevistas, levava a astrologia a sério como se tratasse de uma ciência.
Para quem não o conheceu, ficaram as histórias de feitos e excentricidades. Aqueles que o viram no palco costumam afirmar que nunca houve ator igual. Como diretor, ele também cultivou a aura fantástica. “Desde que o conheci, a cada novo trabalho, é como se ele estivesse sentado no meu ombro, me dizendo o que fazer”, conta Denise Fraga.
Com os textos – única faceta de sua arte que não era efêmera -, o espírito até poderia ser diferente. Mas, ainda que considerado como um dos maiores da dramaturgia nacional, suas peças também fazem parte desse universo inacessível.
Um ano após sua morte, esse quadro estás prestes a mudar. Com abertura marcada para o dia 1.º, o projeto Fauzi Arap, realizado pelo Sesi, retoma suas criações para o teatro por meio de leituras, encenações – inclusive de uma peça inédita – e, o mais importante, a publicação de suas obras. “Se dependesse dele, talvez esses textos continuassem desconhecidos”, considera Aimar Labaki, curador da iniciativa, que foi resgatar as obras em um computador quebrado. “Há anos, vinha insistindo com o Fauzi. Mas ele dizia: Só publico se não tiver noite de autógrafos, nem lançamento, nem entrevista.”
Os textos serão resgatados em duas edições: a primeira delas, mais simples, é para rápida difusão de seu legado. Já a outra deve ser mais elaborada, com dados sobre sua carreira, análises e fortuna crítica. “Em dois ou três anos, teremos uma avalanche de montagens do Fauzi”, prevê o curador.
A vontade de compartilhar esse legado “quase secreto” foi o que moveu um grupo de amigos e parceiros profissionais a se unir ao redor dessa mostra. Nas leituras dramáticas, os elencos originais voltam a se encontrar. É o caso de Walderez de Barros, Bruna Lombardi e Umberto Magnani, que estarão novamente juntos em Mocinhos Bandidos. Denise Fraga participa de Chorinho – último espetáculo dirigido por Fauzi Arap. Nilton Bicudo encena Coisa de Louco (2011). E, dirigido por Elias Andreato, também estreia A Graça do Fim – nunca antes encenada. “Essas obras formam uma espécie de trilogia da sua última fase”, considera Bicudo. “Um período em que ele esteve muito afastado de tudo, fechado em casa, mas, ao mesmo tempo, muito antenado com o que acontecia no mundo.”
Em Chorinho, trata do encontro entre uma mulher de classe média e uma moradora de rua. Já Coisa de Louco surge da percepção de como a vida e as angústias se tornaram doenças a ser medicadas. “Toda a sua genialidade acaba revertida em textos muito populares, que têm uma comunicação muito direta com o público”, analisa Denise Fraga. “Ele escrevia com um propósito muito claro”, aponta Nilton Bicudo. “Queria deflagrar a mentira do mundo, explodir as máscaras.”
Quando se lançou como autor, em 1975, Fauzi surpreendeu com Pano de Boca – título em que fazia uma reflexão sobre o universo teatral da época e desvendava boa parte daquilo que observou em sua passagem pelo Teatro Oficina. Escrita quase 40 anos depois, A Graça do Fim retoma o cunho biográfico. Só que adquire, desta vez, um caráter muito mais íntimo. “O personagem é uma espécie de alter ego”, aponta o diretor Elias Andreato. Na peça, um velho homem de teatro comenta as mudanças na profissão, o impacto negativo da televisão sobre os atores e, principalmente, os dilemas e questionamentos que envolviam a velhice e a proximidade da morte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.