Pierre Schoeller, o diretor de A Revolução em Paris, veio ao Brasil integrando a delegação de artistas do 10º Festival Varilux do Cinema Francês, que segue até dia 19 em salas de todo o Brasil. Seu longa anterior exibido nos cinemas brasileiros havia sido O Exercício do Poder, em 2011. Schoeller esclarece que não dedicou todo esse tempo – oito anos – à gênese de Un Peuple et Son Roi (título original), mas quase. “Nesse intervalo, fiz para a TV um filme que tomou um ano, mas os demais sete foram investidos integralmente no filme sobre a Revolução Francesa. Fiz um longo estudo, pesquisando em documentos e entrevistando acadêmicos. Depois vieram o roteiro, o financiamento, a preparação. É um filme caro, e acurado em todos os detalhes. Foram sete anos muito intensos para mim”, esclarece.
O resultado foi compensador, mesmo que A Revolução em Paris não tenha sido o megassucesso sonhado pelo diretor. Fez 219 mil espectadores nos cinemas, um número considerado honroso. Mas por que, sendo um artista, não um historiador, Schoeller se interessa tanto pelos bastidores do poder? LExercice de lÉtat e Versalhes, antes do novo filme, já abordavam o tema. Um ministro de Estado forçado a administrar uma crise, a visão da realeza. “Acho que tem a ver com cidadania. A Revolução Francesa está na origem da República e dos direitos constitucionais. Embora 1989 pareça muito distante, liberdade, igualdade e fraternidade não são palavras vazias. Ecoam até hoje nas consciências. Vivemos em um mundo em crise de valores, em que esses direitos são seguidamente violados e isso se reflete nas pessoas, no conjunto da sociedade. E tudo isso, a desigualdade, a exclusão, a violência social, possibilita uma gama infinita de histórias.”
Há 13 anos, Sofia Coppola dividiu a crítica com sua versão pop da Revolução Francesa. Em Maria Antonieta, com Kirsten Dunst, ela escolheu retratar o evento pelo ângulo da realeza. Schoeller não está nem um pouco afim de polemizar com, ou sobre, Sofia, mas sua escolha foi outra. “Meu filme não se chama, no original, Um Povo e Seu Rei por acaso. Desde que comecei a trabalhar no roteiro, tornou-se muito claro para mim que o filme deveria retratar todos os estratos sociais, da realeza às camadas mais pobres, que sofrem as consequências dos excessos da Corte. O filme tem cenas do rei (Luís XVI) e da rainha (Maria Antonieta), mas meus protagonistas são outros”, diz o diretor. Olivier Gourmet, que fazia o ministro em O Exercício do Poder, é agora o revolucionário, Oncle/Tio. A princípio um tanto cético, ele arrasta no turbilhão revolucionário o casal interpretado por Bernard Ulliel e Adèle Haenel, Françoise e Basile, que representa os bem pobres, os marginais, aqueles a quem Maria Antonieta, cínica ou ingenuamente, aconselha que, se não tivessem pão, comecem brioches.
Dada a familiaridade de Gourmet com Schoeller, você poderia até pensar que o diretor já o tivesse em mente na composição do elenco, mas não. “No fundo, sabia que Olivier poderia interpretar qualquer papel, mas não pensava especificamente nele para nenhum. A única escolha que norteou todas as demais foi a de Adèle (Haenel). Escrevi Françoise pensando nela, que correspondeu exatamente ao que queria.” É, realmente, uma atriz maravilhosa, como sabem os que a viram em A Garota Desconhecida. Da realeza ao povo, toda a pirâmide social da França naquele período está retratada em A Revolução e Seu Povo. A base = o povo. O topo = a realeza. Unindo os dois segmentos, a Assembleia Constituinte, e nela se destaca o antagonismo entre Robespierre, interpretado por Louis Garrel – que atua no e dirige o que talvez seja o melhor filme dessa seleção do Festival Varilux, O Homem Fiel -, e Marat, uma criação genial de Denis Lavant.
Toda cinematografia tem suas figuras consideradas excêntricas, de exceção. O ator Lavant (Amantes do Pont Neuf e Holy Motors, de Leos Carax; Beau Travail, de Claire Denis) representa isso para os franceses. Denis Lavant, o indomptable. Sua fama é de indomável. Dificulta a vida de todo mundo nos sets de filmagem. Você pode conversar horas sobre isso com Schoeller, mas ele nunca vai concordar. “Somos da mesma cidade, mas nunca havíamos trabalhado juntos, nem mesmo éramos amigos. Mas, concluído o roteiro, na hora de pensar quem poderia ser Marat, só conseguia pensar nele. Enviei-lhe o roteiro com a promessa de lhe conceder carte blanche. Ele topou e, realmente, me trouxe um Marat pronto. Só precisei de pequenos ajustes para garantir a homogeneidade de interpretação.” O restante foram os detalhes da produção – cenários, figurinos. Schoeller gastou 17 milhões de euros. Multiplique por quatro para chegar ao equivalente em reais. “Está tudo na tela”, ele garante.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.