Variedades

As cores da melancolia do Maglore

Quando garoto que saboreava a música pop pelas rádios e pela extinta MTV, Teago Oliveira já elaborava seus planos mirabolantes. Ansioso desde moleque em Salvador, traçava seu caminho futuro. A projeção incluía formar uma banda, lançar alguns discos até criar um repertório consistente para, enfim, estrear um álbum acústico, como fez o Nirvana, em 1994, um disco ouvido por ele à exaustão.

É a inquietude dele, hoje aos 31 anos, que coloca a sua banda, Maglore, em movimento constante. Desde 2011, quando saiu o primeiro álbum, Veroz, o grupo coloca um disco novo na praça a cada dois anos. “É sempre assim, um ano de disco, um ano de turnê”, diz o músico sobre a dinâmica da banda. Em 1º de setembro, chegou Todas as Bandeiras, pela gravadora Deck, o quarto trabalho de estúdio deles. É mais uma tentativa de Oliveira de lidar com seus anseios, agonias, perdas e descaminhos, envelopados em um pop guitarrístico leve. Nesta quarta-feira, 15, a Maglore lança o álbum em São Paulo, no Sesc Pompeia.

Todas as Bandeiras, produzido por Rafael Ramos e Leonardo Marques, é a digressão por uma cabeça em constante expectativa. “Eu não sei se vamos conseguir manter esse protocolo de um lançamento a cada dois anos”, admite Oliveira, já de olho no calendário de 2019, quando nem bem chegamos ao fim de 2017. Ele cita o ritmo de produção de artistas nacionais durante os anos 1960 e 1970, quando colocavam nas prateleiras um álbum por ano. “Nossa, isso me parece inviável.” “Mas”, Oliveira segue, “em 2015, quando saiu (o disco) III, eu não imaginaria que lançaríamos um disco em dois anos. O fato é que, desde 2009, nós não tiramos o pé do acelerador.”

Maglore tem uma formação fluida. Em Todas as Bandeiras, a banda deixou de ser trio e passou a ter quatro integrantes. Além de Oliveira, também formam o grupo Lelo Brandão (guitarra), Lucas Oliveira (baixo) e Felipe Dieder (bateria). E a adição de uma nova guitarra abriu novas possibilidades estilísticas. Somam-se mais cores à palheta de Oliveira e companhia. Não é por acaso que a capa de Todas as Bandeiras seja multicolorida.

Também é o disco mais pessoal de Oliveira. E o álbum no qual o músico mais se esforçou para disfarçar o que há de si nas canções. Um papo rápido com o líder do grupo, contudo, mata a charada. Todas as Bandeiras é um retrato sobre angústias e ansiedades, pinceladas pelo olhar do tempo. A tríade de passado, presente e futuro é a pedra fundamental da construção narrativa que a Maglore propõe em sua quarta passagem pelo estúdio.

O álbum foi erguido em um período de “internação” em um sítio do Pico do Jaraguá, em São Paulo, como todos os discos da banda, em maio deste ano. “É algo que me parece interessante fazer quando se compõe um disco, porque propõe uma imersão mais profunda”, explica Oliveira. “Em um estúdio, em algum momento, nós vamos todos para casa. E perdemos aquela ideia que pode vir na madrugada.”

Oliveira vivia, na época, seu inferno pessoal. Colecionava tantas perdas que era incapaz de gozar os ganhos. Abriu-se, no processo, às cores, às experimentações e à luz. Disfarçou, como pode, o estrago interno. Por mais que esteticamente Todas as Bandeiras seja o disco mais expansivo da Maglore – muito culpa da presença das duas guitarras -, as canções contidas nele miram no que existia ali dentro. Oliveira e banda semeiam as feridas como pistas dadas em um jogo de detetive. Deixam-nas escondidas. Porém, como cicatrizes, é impossível maquiá-las para sempre.

Para destrancar os fantasmas interiorizados dele, é preciso ir até a única canção não assinada pelo próprio. Com Calma, criada pelo recentemente ingresso na banda Lucas Oliveira, o cadeado é aberto. “Calma / O tempo é o seu melhor amigo / Eu sei que isso não faz sentido agora / Mas calma”, diz o início da canção. É quase possível ouvir o clique da chave ao girar.

O tempo, aqui, vai e volta, nesse enigma deliciosamente pop da Maglore. Regressa-se à infância em Aquela Força, uma parceria entre Oliveira e Luiz Gabriel Lopes, artista mineiro que lançou recentemente o disco Mana. “Quando ele era pequeno / Se olhava no espelho / Não sabia o que iria encontrar”, diz a música que abre Todas as Bandeiras e cujo encerramento se dá com a inevitável consciência de que não importa o quanto se queira, o tempo segue seu curso no ritmo próprio: “Você só vai saber sendo / Você só vai saber vivendo”.

E, a cada canção, somos expostos a um Oliveira tentando manter os pés no chão, no hoje. “Não consigo mirar no presente / O mundo muda e isso não dói / Talvez goste de ser diferente”, canta ele em Clonazepam 2mg. “Mas é normal / Dor de amor e contas pra vencer”, diz outro trecho, sagazmente capaz de resumir o mundo onde se vive hoje. E Oliveira, prestes a fazer a estreia do quarto álbum da banda em São Paulo, se esforça para viver o presente. Nem sempre consegue, contudo: “Talvez eu lance um disco solo no ano que vem”, ele revela. “A gente tem essa vontade de tentar fazer tudo o que temos na cabeça, né? Lidamos com essas projeções. Sempre digo para o pessoal durante as gravações dos nossos discos: qualquer coisa, a gente faz um (álbum) acústico.”

Posso ajudar?