Variedades

As diferentes faces do medo que assombram ‘O Lamento’

Há uma cena de exorcismo em O Lamento que, como a cantoria da menina em Invasão Zumbi, desconcerta o público e provoca reações desencontradas. Pode ser o choque cultural, mas muitos espectadores riem enquanto outros se sacodem nas poltronas, visivelmente incomodados. É medo, e algo mais. O exorcismo é marcado por atos de crueldade, o som é alto (muito alto), todo mundo grita, num clima de histeria imensa. O Lamento estreou antes de Invasão Zumbi – na quinta, 22. Outro filme sul-coreano de gênero. Melhor seria dizer – de gêneros, no plural. Pois o diretor Na Hong-jin, para contar sua história bizarra, mistura fantasmas, zumbis, possessão demoníaca e muito mais.

O filme é fantástico, terror, drama familiar, crítica social – como Invasão Zumbi. O público experimenta estranhamento, desconforto, tanto mais que a todos esses elementos, ou ingredientes, Hong-jin agrega… humor. O protagonista de O Lamento é um policial inepto, Tem reações atrapalhadas, equivocadas. Não percebe direito o que ocorre ao seu redor. Morre de medo, e o espectador, principalmente o jovem, que pagou para tomar sustos, ri dele, do seu ridículo. Como Invasão Zumbi, o filme de Hong-jin é outra prova da vitalidade e inventividade do fantástico (do terror?) sul-coreano.

Na trama, um estranho chega numa pequena cidade e logo começam a acontecer coisas estranhas. As pessoas apresentam certos sintomas – erupções na pele, olhos avermelhados. Começam a agir feito zumbis – sempre eles – e cometem crimes violentos. O que é? O policial que investiga o caso não ajuda. É meio covarde, mas, quando sua filha começa a apresentar os sintomas, ele corre contra o tempo para tentar evitar o pior. De novo pai e filha, de novo o mundo sob o signo do caos. Em Invasão Zumbi, o exército intervém para preencher o vazio de autoridade. Não é por aí que a coisa se resolve em O Lamento, e é um dos aspectos interessantes do filme de Hong-jin. Militarizar a sociedade, por mais que funcione do ponto de vista dramático, talvez seja o aspecto mais discutível do outro terror sul-coreano em cartaz.

É interessante voltar ao aspecto de gênero – humano. Os criminosos são mulheres, idosos, crianças, invertendo a equação básica que costuma transformar essas pessoas em vítimas. Para complicar, o somatório dos casos torna-se cada vez mais complicado. O fenômeno será sobrenatural, mental? A dificuldade de o policial encarar o problema tem reflexo dos demais homens que participam da narrativa. Já que não podem ou não sabem como agir, acovardam-se. Uma explicação plausível é que o surto demoníaco esteja ligado à figura de um imigrante – o que reforça o preconceito, hoje disseminado pelo mundo, contra o estrangeiro. O que vem de fora via de regra prejudica, mata. Em toda parte investe-se na xenofobia.

Nesse quadro, a família, base da organização social, não está a salvo. Corre perigo. Uma boa maneira de juntar/ampliar todo esse terror que vem da Coreia seria remontar a um filme já clássico dessa cinematografia. Em O Hospedeiro, de Bong Joon-ho, de 2007, um monstro surgia nas águas tranquilas (poluídas?) de um rio, sequestrando uma garota. Isso obrigava a família a se unir para tentar resgatá-la. No ano que vem serão dez anos de O Hospedeiro, uma década inteira durante a qual os desmandos da sociedade – corrupção, violência – colocaram a família em risco. Monstros, mortos vivos e sobrenatural vulnerabilizam o tecido social. No limite, o que está em questão, no novo mundo global, é a família.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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