Eles são cafetões, muambeiros, marreteiros, boêmios, bebuns, macumbeiros e evangélicos convertidos e desconvertidos. Esperam a madrugada entrar para esbarrarem-se em rodas e balcões de bar, narrando histórias que quase não existem porque ninguém ouve. Aos 70 anos, Paulo Cesar Pinheiro se alimentou de muitos. Observou, se aproximou, quis saber mais. E então, neste longo ano de comemorações, escreve muitas delas ou reescreve como conto o que já havia escrito como crônica para lançar Figuraças, uma série de 23 histórias curtas de personagens que habitam a noite e as sombras do Rio de Janeiro.
É só uma das muitas frentes que trarão o nome de Paulinho Cesar Pinheiro em várias linguagens até o ano que vem em razão de sua sétima década. Ano passado, Poemúsica, pela mesma editora 7 Letras, trouxe uma compilação de poemas. E, a partir desta sexta, 14, até domingo, 16, três shows, com convidados e repertórios diferente em cada noite, vão celebrá-lo no palco, trazendo parceiros que o gravaram ou assinaram canções com ele. Nesta sexta, serão Dori Caymmi, Sergio Santos e Miguel Rabello; sábado, 15, Lenine, Monica Salmaso, Breno Ruiz e Eduardo Gudin; e, domingo, 16, Renato Braz, Amélia Rabello e seus filhos Julião e Ana Rabello Pinheiro.
Os números nem precisavam ser tão generosos diante da qualidade dos versos, mas eles existem e estão contabilizados. Este homem conta com mais de 1.400 músicas gravadas em um fluxo incessante desde os 13 anos a ponto de torná-lo o mais prolífico compositor vivo da música brasileira. Só das que estarão nos shows há Viagem (feita com João de Aquino); Lapinha, Violão Vadio, Falei e Disse, Quaquaraquaquá e Refém da Solidão (com Baden Powell); O Poder da Criação (com João Nogueira); Portela na Avenida e Canto das Três Raças (com Mauro Duarte); Leão do Norte (com Lenine); Desenredo (com Dori Caymmi); e Áfrico (com Sergio Santos).
Apenas para este ano estão previstas 78 gravações inéditas que trazem sua assinatura. Um segundo livro, para sair no segundo semestre, surgiu como uma quase brincadeira que corrobora a vida independente de seus textos. Mil Versos, Mil Canções partiu de uma premissa descoberta, mais uma vez, nas ruas. Paulo Pinheiro começou a perceber a quantidade de pessoas que tatuavam suas frases pelo corpo. “Eu tenho visto coisas que estão me deixando impressionado”, diz por telefone, de sua casa no bairro de Laranjeiras, Rio.
“Já contei oito pessoas com tatuagens minhas pelo corpo. Um músico paulista colocou o importante é que a nossa emoção sobreviva (nome de um show e um disco ao vivo gravado em 1975 por Eduardo Gudin, Paulo e Márcia) e um grupo de cinco amigos tatuou no braço nascido no subúrbio nos melhores dias (da música Espelho, com João Nogueira).” Sobre tatuagens, ele diz à reportagem uma frase com potencial para se tornar uma delas: “Tatuagem é o cúmulo da popularidade que um verso pode alcançar.”
Há outros exemplos de como seus versos não são mais seus, o que pode ser entendido também como o cúmulo além do cúmulo. Por algumas boas vezes, pessoas citaram versos feitos por Paulo Cesar a ele mesmo sem saber que eram dele.
“Comecei a perceber em mesas de bar que sempre chegava alguém para citar para mim mesmo um verso meu. Um deles me perguntou se eu sabia de quem era o que ele chamou de provérbio árabe. Eu disse que era meu.” E tem mais: “Eu já recebi um cartão de Natal com um verso meu como se fosse um ditado popular”.
Foi assim que começou a anotar todos os versos que fez com potencial para se tornar ditados populares e separá-los para o livro. “Anotei mais de mil.” Frases com força maior do que algumas músicas, algo que pode ser explicado pela habilidade de Paulo em encerrar em poucas palavras um pensamento forte e de impacto emocional universal. “Alguns foram a países em que eu nunca estive e nunca estarei. Eles ganham vida e vão embora. Acho isso sensacional.”
Sua relação com a voz, apesar dos dez discos que lançou cantando, não é a mesma de um intérprete. O fato é que Paulinho não quis ser cantor, já prevendo que entraria em uma roda viva que massacraria o tempo que ele precisa para criar. “Você tem de sair fazendo shows, viagens. O palco vai te carregando, vai te levando, e te tira da vida simples. Eu gosto de andar pelas ruas, tomar meu café sem ninguém me incomodando.” E assim, disfarçado de gente normal, ele se reinventa todo dia, abastecendo a alma de gente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.