– um artista que, com vinte anos de idade, já surgia no cenário de nossa cultura com letras refinadamente poéticas no trato de problemas sociais brasileiros e melodias banhadas pela influência renovadora de João Gilberto?
Como esperar que este público fosse prestar maior atenção na sua aparência física, algo tornado irrelevante por ele próprio, ao apresentar músicas nas quais dizia, por exemplo, “Minha voz ficou na espreita, na espera. Preparei para você uma lua cheia. E, você não veio. E, você não quis” (Lua Cheia); “Era uma canção – um só cordão. E uma vontade de tomar a mão, de cada irmão pela cidade”. (Sonhos de um carnaval); “Pedro pedreiro está esperando a morte. Ou esperando o dia de voltar pro Norte. Esperando enfim, nada mais além, da esperança aflita, bendita, infinita do apito do trem” (Pedro pedreiro)
Hoje, mais de meio século depois, a produção de Chico Buarque se avolumou, se diversificou, o nível sua qualidade ficou mais elevado ainda, e, ele ganhou reconhecimento internacional. Mas, como era inevitável, aquela estonteante beleza física da juventude sofreu a perversa ação do tempo. Por isto, atualmente, há quase desrespeito a ele, quando as mulheres insistem em elogiar só sua beleza física, na verdade, sobrevivente sobretudo em seus olhos verdes. Embora isto seja típica manifestação da generosidade feminina em relação à aparência dos homens. Um sentimento, ao qual, aliás, como lembra a psicanalista Maria Rita Kehl – ele própria, diva dos sonhos de seus colegas psicoterapeutas de São Paulo, na juventude -, os homens estão longe de retribuir, ao analisarem o aspecto físico das mulheres.
Houve, no entanto, uma mulher – Clarice Lispector – que em plena beleza juvenil de Chico, soube fazer-lhe justiça, sem menosprezar sua genialidade. Ela mesma possuía beleza estranha e talento artístico original e profundo. Ao morrer, mereceu estes versos de Carlos Drummond: “Dentro dela, o que havia – de salões, escadarias, tetos fosforescentes, longas estepes, zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas -, formava um país. O país onde Clarice vivia. Só e ardente. Construindo fábulas”.
Clarice entrevistou Chico, quando ele tinha 24 anos. Depois de dizer-lhe: – “Vi você na primeira passeata pela liberdade dos estudantes”. Perguntou, respeitosa: “Que é que você pensa dos estudantes do mundo e do Brasil em particular?
Contudo, ela também se referiu à aparência de Chico. Escreveu: “Ele não é, de modo algum, um garoto, mas se existisse no reino animal um bicho pensativo e belo e sempre jovem que se chamasse Garoto, Francisco Buarque de Holanda seria da raça montanhesa dos garotos”.