Quando a atenção de uma pessoa que analisa um texto se concentra essencialmente na forma de organização dele, em sua estrutura interna, logo percebe a ocorrência de uma inserção numa tipologia constituída de somente três matrizes de gêneros: dissertativo, narrativo e descritivo, como lembra Elisa Guimarães, em “A articulação do texto”.
Cada matriz, diz a autora, é um tipo de esquema abstrato que estabelece a ordem global de um texto e se compõem de uma série de categorias, cujas possibilidades de combinação se baseiam em regras convencionais. Por exemplo: imaginemos que ao começarmos a ler um texto, logo percebamos que ele tem uma estrutura narrativa. É claro que imediatamente nos cientificamos de que o autor vai usar e combinar categorias como personagens, planos de tempo e espaço etc. O texto, ficamos sabendo, contará uma história – ou um episódio dela – em que aparecerão seres reais ou fictícios inseridos no universo da representação simbólica verbal, com os quais um fato ou uma sucessão de fatos irá ocorrer num certo momento, e, num determinado lugar.
Situação completamente diferente existirá se percebermos que o texto é dotado de estrutura dissertativa. Nossa expectativa, então, será a de identificarmos, em determinado trecho, o ponto de vista – a “tese” – defendida pelo autor, seguida da expectativa de localização dos trechos nos quais serão apresentadas as razões, os fundamentos. Estaremos, então, lidando com outras categorias, às quais correspondem outros modos de combinações.
Elisa Guimarães, no entanto, alerta: embora exista sempre uma estrutura dominante num texto – aquela estrutura que representa o seu esquema fundamental – pode haver nele, também – e frequentemente há – parte, ou partes, de outra, ou outras, estrutura/estruturas. Fazendo, com que surja uma conformação de texto misto. Isto é, embora o texto pertença a uma matriz de gênero – a narrativa, digamos -, nem por isto fica impedido de conter partes de outras matrizes – as dissertativa e descritiva.
Uma hipótese de criação de texto com esta natureza: o de alguém que queira descrever como percebe determinada pessoa. Nesta situação, poderia surgir este texto: “Olha, ela é assim: vou contar o que aconteceu ontem. De manhã, ela acordou e não cumprimentou ninguém em casa, em seguida, se trancou no quarto dela, e, só apareceu na nossa sala quando o almoço estava servido. E, pior, tinha o rosto de quem passara horas chorando”.
Apenas neste fragmento de texto, há uma “tese”, embora implícita, elemento típico da estrutura dissertativa: “ela é uma pessoa anti-social, retraída e depressiva”. E esta “tese” é também a descrição daquela pessoa, na sua dimensão psicológica. Insere-se, portanto, numa área da matriz de gênero descritivo. E ambas – a “tese” e a descrição – são apresentadas através de categorias da matriz narrativa: personagens, lugares, planos de tempo.
Algo fundamental para o entendimento do processo de criação de cada um de nós é lembrado por Elisa Guimarães: os três tipos de estrutura interna dos textos não somente são convencionais. São igualmente conhecidos e reconhecidos pela maioria de falantes de uma comunidade lingüística. Não se constituem, portanto, num assunto chato inserido nos programas da disciplina Língua Portuguesa. Ao contrário, se constituem num assunto familiar a nós. Gostamos de usá-los. Eles nos acompanham em todos os momentos de convívio social no qual empregamos as palavras.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP
