Petrix Barbosa, que atualmente participa do BBB 20, está sendo acusado de assédio nas redes sociais após episódios envolvendo Bianca Andrade e Flayslane. A Polícia Civil do Rio de Janeiro chegou a abrir um procedimento para apurar os casos e intimou o atleta a depor na próxima sexta-feira, 7. O que chama atenção nessa história é que o próprio ginasta é uma das vítimas que acusam o ex-treinador Fernando de Carvalho Lopes de abuso sexual.
Estaria Petrix reproduzindo um comportamento que sofreu no passado? É possível que uma pessoa vítima de assédio sexual na infância ou adolescência perpetue esse tipo de violência?
Não é possível confirmar isso no caso do ginasta nem em qualquer outro, uma vez que os efeitos do abuso dependem de particularidades de cada vítima. Generalizações estão fora da discussão e o que estudos científicos e especialistas abordam são as consequências em determinadas situações.
Uma meta-análise que reuniu 32 estudos comparou o histórico de abuso sexual entre pessoas que cometeram agressões sexuais e outras que praticaram outras formas de violência. Também foi examinada a prevalência de diferentes formas de abuso, comparando agressores sexuais contra adultos e contra crianças.
Os resultados indicaram que agressores sexuais são mais propensos a terem sido abusados sexualmente no passado do que os agressores não sexuais. E quem praticava pedofilia também apresentava um histórico de abuso sexual mais prevalente. "Mas não dá para generalizar", ressalta a infectologista Isabelle Nisida, médica assistente do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
"Na literatura científica, a violência se torna um tema de preocupação em termos de saúde pública em torno de 2000. Na maioria dos trabalhos, encontra-se que a mulher é vítima de violência sexual. O reconhecimento do homem como vítima é mais tardio, as pesquisas começam em 2010", destaca a especialista. Sem estudos suficientes, e com pesquisas que fazem enquetes com pessoas adultas sobre o passado delas, não se pode fazer afirmações gerais, é preciso individualizar os casos.
<b>Os impactos do abuso sexual em meninos e meninas</b>
Antônio de Pádua Serafim, coordenador de psicologia do Núcleo Forense do Instituto de Psiquiatria da USP, reforça que a relação que existe em ser abusado e se tornar abusador não é direta. "Vai ter várias repercussões na vida de quem vivencia aquela situação. Vai ter um problema de a pessoa adoecer do ponto de vista psíquico, desenvolvendo transtornos comuns como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, até problemas na identidades dos papéis sexuais", diz o especialista.
Segundo ele, a tendência é que, nas meninas, haja uma erotização mais precoce, uma exacerbação do papel sexual. Já os meninos costumam ficar mais isolados e agressivos. Outro resultado possível é a confusão sobre a identidade de gênero, o que depende também da cultura na qual o indivíduo está inserido. Dificuldades no desenvolvimento emocional e comportamento de repúdio também são considerados.
"E pode ter casos em que vai ter essa questão de assediar também, reproduzir de forma sutil essas questões. O que tem de ficar claro é que o abusador, na vida adulta, não tem necessariamente um histórico de abuso na infância. Muitos abusos acontecem independentemente do histórico pregresso", reforça Serafim.
Isabelle pontua outros desfechos para casos de violência sexual: transtornos alimentares para meninos e meninas, suicídio mais prevalente entre meninos adolescentes do que entre meninas, impulso sexual, hipersexualidade e uso de drogas.
<b>O que leva uma pessoa a praticar abuso sexual?</b>
Serafim, que fez uma revisão da literatura científica sobre o perfil psicológico e comportamental de agressores sexuais de crianças, explica alguns motivos que levam uma pessoa a abusar nesse contexto. Pode ser uma questão circunstancial, em que não há um fator psicológico para cometer o ato. "O indivíduo Está em um jogo lúdico com a criança, e a criança, de alguma forma, o estimulou sexualmente. Pode acontecer o abuso ali e começar a praticar sem nunca ter feito isso antes", completa.
Em outra situação, existem pessoas com transtorno do impulso sexual, que caracteriza a pedofilia. "Há o desejo interativo por crianças e, tendo essa caracterização, pode sair da fantasia para o ato." Há ainda abusos sexuais motivados por transtornos de personalidade, outra área de estudo do pesquisador.
"Quando se estuda personalidade, estuda indivíduos que geralmente têm imaturidade no processo emocional. Algumas características podem migrar para comportamentos sexuais e aí tem risco maior, porque essa pessoa pode ser mais antissocial e o problema disso é a questão da redução da empatia. O ato de abusar pode tomar dimensão maior porque a pessoa não entende que está fazendo mal", explica Serafim.
<b>O homem e a violência contra a mulher</b>
A atitude de Petrix Barbosa com Bianca Andrade durante uma festa no Big Brother Brasil, em que ele balança o corpo dela e toca na lateral dos seios da empresária pode ter sido vista como algo normal, sem intenções sexuais. No entanto, o assédio sexual vai desde um comentário com conotação sexual até o contato físico.
Segundo Tales Furtado Mistura, coordenador do Grupo Reflexivo de Homens, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, a naturalização do assédio é quase automática para os homens. Além disso, eles têm uma visão dicotômica da situação: ou pode tudo ou pode nada.
"A agressão como um todo contra a mulher é o fazer-se homem, é marcar a posição que eles têm do que é ser masculino, visão que está ultrapassada. É uma reafirmação de algo que foi aprendido", diz Mistura. No grupo que ele coordena, as questões mais prevalentes é de violência doméstica, uma vez que a iniciativa recebe homens que foram autuados pela Lei Maria da Penha.
As discussões do grupo envolvem o que é ser homem na cidade, paternidade, assédio e abuso sexual – esse último tópico é um tabu quando a vítima é o próprio homem. Assim, o debate fica no campo doméstico, dos papéis de gênero, estupro marital e relações com as próprias parceiras ou outras mulheres.
Nesse contexto, Mistura também percebe que há homens que nunca sofreram ou viram práticas violentas dentro de casa e perpetuam o comportamento e os que reproduzem a vivência passada. "O que está em jogo é mais uma questão de algo aprendido há séculos, determinados papéis, diferenciados, do que é ser homem e mulher", reflete.
<b>Como quebrar ciclo de violência?</b>
Estudos sobre o tema indicam que a prevenção do abuso sexual de crianças e adolescentes pode, eventualmente, reduzir o número de criminosos sexuais. Porém, isso depende de um papel causal e da eficácia de programas de proteção.
"O ideal é que essas crianças que sofreram abuso sejam tratadas desde cedo. A questão do acompanhamento no longo prazo é dar suporte para enfrentar os efeitos, monitorar a conduta, o desenvolvimento emocional e afetivo, não pensando em prevenir aquilo que ainda não apareceu", pontua Serafim.
No caso dos abusadores, o especialista diz que aqueles com transtorno mental diagnosticado devem ser tratados com médico e psicólogo. Se não há patologia, não se encontra tratamento, porque não há relação causal. O que se tem hoje em dia são penas por determinação judicial, mas Serafim critica o método. "Cumprem pena, mas não tem acompanhamento, ficam só privados do estímulo e, quando saem, vão provavelmente reincidir."
Trabalhos como o do Navis, do Hospital das Clínicas, também dão resultados positivos no atendimento de pessoas vítimas de abuso sexual, cujos meninos representam 30% dos atendidos atualmente. "A gente fortalece a proteção da criança pela família para que ela consiga se defender e acaba devolvendo às pessoas a autonomia, a confiança e a infância", diz Isabelle. Outro ponto relevante é que, diferente de outros centros que estão acostumados a atender vítimas do sexo feminino, o núcleo acolhe igualmente meninos e meninas.
Discutir a masculinidade e tratar os homens é outro aspecto necessário quando se fala no ciclo de violência contra a mulher. "No Grupo Reflexivo de Homens, as taxas de reincidência são baixas, então o ideal seria implementar políticas públicas como essa", diz Mistura. "É preciso trabalhar questão de gênero nas escolas, de respeito, falar de orientação sexual. São coisas de base."