Assentamentos de reforma agrária localizados na Amazônia, apesar de ocuparem apenas 5,3% da área do bioma, foram responsáveis por 13,5% de todo o desmatamento na região. Os dados, revelados em uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 6, na revista PLoS One, reforçam o diagnóstico de que desmatamentos realizados em pequenas propriedades, mais difíceis de fiscalizar, têm desempenhado um papel decisivo na degradação da florestal.
A pesquisa analisou as taxas de conversão da vegetação natural para uso agropecuário em 1911 assentamentos criados desde 1970, que estão espalhados por 568 municípios da Amazônia. Para isso foram usadas imagens de satélite do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Ambientais, por meio das quais os pesquisadores puderam comparar as taxas de redução da mata antes e depois da instalação do assentamento.
“O período e a distribuição espacial de desmatamento e das queimadas na nossa análise provê evidência irrefutável cronológica e espacial de conversão agropastoril tanto dentro quanto imediatamente nos arredores dos assentamentos ao longo da última década”, escrevem Maurício Schneider, da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia. Schneider fez a pesquisa durante pós-doutorado na universidade inglesa.
A dupla observou que os danos dentro dos assentamentos são, em média, 3 vezes o observado no município onde eles se encontram. E que, em média, essas propriedades perderam mais da metade (55,4%) da vegetação nativa que havia no local. Pelo Código Florestal, propriedades privadas dentro do bioma Amazônia só podem desmatar 20% da terra. Os localizados no Cerrado (que é parte da Amazônia Legal) podem no máximo 50%.
“Percebemos que os assentamentos localizados na região do arco do desmatamento (por onde a fronteira agrícola avança nas porção sudeste e sudoeste da Amazônia Legal) aumentaram essa pressão, e aqueles que estão em regiões mais remotas iniciaram o desmatamento nesses locais”, disse Schneider ao Estado.
“As repetidas migrações de pequenos agricultores oriundos do centro-sul do Brasil para a Amazônia é um verdadeiro contra-senso que só agrava o desmatamento. Por isso resolvemos avaliar sistematicamente o histórico de desmatamento e degração florestal tanto antes quanto após a chegada dos colonos em cada assentamento para entender as trajetórias de perda e degradação de habitat florestal em cada um deles”, complementa Peres.
Para Schneider, há uma competição entre os órgãos do governo no que se refere à Amazônia. “Ministério do Meio Ambiente e o Incra, cada um tem sua agenda, suas metas e nesses conflitos, o MMA sai perdendo sempre.” Ele defende que se for para colocar mais assentamentos na Amazônia, que fossem escolhidas áreas não sensíveis ou preferencialmente já degradadas. “Há 30 milhões de hectares de pastos degradados, que se usem eles”, diz.
Peres argumenta que há um problema na forma como os assentados encaram a terra, de um modo diferente que ribeirinhos ou indígenas o fazem. “Esse padrão de redistribuição de terras de valor agrícola bem variável não leva em conta que os assentados de outros polos do Brasil – que tem índole estritamente agrícola e mal adaptada para a região amazônica – não têm nenhum know-how nem vontade de ganhar a vida na Amazônia fazendo qualquer tipo de extrativismo forestal que possa ser definido como sustentável.”
Outro lado
Os pesquisadores rebatem, com esse estudo, o posicionamento oficial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que afirma que a maior parte do desmatamento nos assentamentos ocorreu antes de eles serem estabelecidos.
Essa foi a justificativa dada após o Ministério Público Federal, em 2012, apontar o Incra como responsável por um terço do desmatamento na Amazônia e foi reapresentada agora diante do novo estudo. “Nossa análise mostrou que 64% da conversão da vegetação tinha ocorrido antes do assentamento. Esse é o valor com o qual trabalhamos até hoje”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo Pedro Bruzzi, coordenador geral de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Incra.
“O problema existe, o órgão está consciente, e por isso criamos o Programa Assentamentos Verdes, com 4 eixos: regularização ambiental e fundiária; valorização de ativos florestais, recuperação de passivos (das áreas que foram desmatadas) e por fim monitoramento e fiscalização. A diferença que vejo no Incra hoje é que há uma coordenação de meio ambiente estruturada, presente em todas as regionais, e estão todos conectados por esse plano”, disse.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente ainda não se pronunciou.