Associações que representam segmentos do setor elétrico e consumidores buscam apoio dos governadores do Norte e Nordeste para evitar a aprovação de uma proposta legislativa que suspende regras sobre os cálculos das tarifas de transmissão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em carta enviada aos chefes dos Executivos estaduais, as entidades alertam sobre o impacto que a proposta pode causar na conta de luz das duas regiões e afirmam que os prejuízos aos consumidores, caso o texto seja aprovado pelo Congresso, poderá chegar a R$ 800 milhões por ano.
O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) suspende duas resoluções da Aneel editadas em junho e setembro do ano passado que tratam da definição da metodologia de cálculos das Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (Tust). A proposta, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), foi aprovada pela Câmara dos Deputados em novembro e agora, sob relatoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), aguarda análise na Comissão de Infraestrutura do Senado.
Como mostrou o <i>Broadcast Energia</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), não há previsão para que o colegiado vote a matéria, uma vez que não há consenso.
De acordo com as entidades, as medidas da Aneel trazem um ajuste nas tarifas de transmissão entre as diferentes regiões do País para compensar os desequilíbrios acumulados. No documento, citam que a tarifa média de transmissão no Ceará, por exemplo, caiu 6,3% no primeiro ano de vigência da resolução. "Dados oficiais da Aneel estimam que já nesse primeiro ciclo de transição, ou seja, a partir de julho de 2023 será percebido pelos consumidores do Norte e Nordeste uma redução de 4,8% e 5,5% respectivamente, na tarifa de transmissão", afirmam. Segundo elas, a perspectiva é que a redução deve seguir nos próximos anos.
A medida, contudo, não é bem-vista por parlamentares e alguns geradores nas regiões, que sustentam que as modificações encarecem a implementação de projetos. "Muitos governadores estão achando que o sinal locacional prejudica a implantação das fontes eólica e solar no Nordeste, mas é um engano. Temos provas que, nos leilões realizados, não houve qualquer tipo de retração da demanda. Essa ação da Aneel foi absolutamente legal, não restam dúvidas", afirma o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata. A carta também é assinada pelo Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase).
Na carta, as entidades destacam que a regulamentação passou por anos de discussão no âmbito da agência reguladora, inclusive com a realização de consultas públicas com participação de diversos agentes do setor. Além disso, destacam que a Aneel possui total legitimidade, pela legislação, para regulamentar o tema. A competência do regulador sobre o assunto também é um dos argumentos usados por parlamentares para questionar as normas. Por outro lado, as associações sustentam que a agência, além de seguir a lei e ritos regulatórios, tomou medidas para que a alteração seja implementada de forma gradativa até 2027.
"Tivemos três anos de estudos com ampla participação da sociedade organizada. Além disso, é preciso acatar a competência regulatória da Aneel de estabelecimento das tarifas de transmissão, até porque estão inseridas dentro de um segmento monopolista", afirma o presidente do Fase, Mário Menel. Para ele, as decisões da Aneel precisam ser respeitadas, pois a metodologia foi defendida pela agência com argumentos técnicos, dados embasados, além de elementos colhidos em audiências públicas.
As associações também alertam que uma intervenção, por meio do referido PDL, nas decisões da agência trará grande instabilidade regulatória ao setor elétrico brasileiro, prejudicando o ambiente de investimento.
<b>Regras da Aneel</b>
O texto derruba duas resoluções normativas da Aneel. A primeira, de junho, acabou com o método de estabilização das tarifas de transmissão. Já a outra, de setembro, estabeleceu uma nova metodologia que reequilibra o chamado uso do chamado "sinal locacional". Essa regra procura estabelecer valores adequados de uso do sistema de transmissão conforme as características de geração e consumo de energia de cada região.
Na prática, a medida aloca proporcionalmente mais custos aos agentes que mais oneram o sistema de transmissão. Logo, faz com que consumidores do Norte e Nordeste, que estão mais próximos do centro de geração e fazem menor uso das linhas, tenham uma tarifa mais barata do que a da região Sudeste, por exemplo, onde estão os maiores centros consumidores.
O autor do texto, deputado Danilo Forte, sustenta que, caso o PDL não seja aprovado, as medidas em vigor vão aumentar o custo de transmissão dos empreendimentos em energia no Norte e Nordeste, o que deve dificultar a expansão do parque gerador em regiões menos desenvolvidas. O argumento é rebatido pelas entidades na carta, que afirmam que "nenhuma hipótese conseguirá reduzir o crescimento dessas fontes na região".
No documento encaminhado aos governadores, as entidades afirmam ainda que não houve redução no volume de solicitações de outorga para fontes eólica e solar no Nordeste entre 2021 e 2022, mesmo com o novo cálculo das tarifas em iminência de ser aprovado. "Foram cerca de 200 GW em solicitações de outorga, quase três vezes o consumo total do Brasil. Deste número, 91% se mantêm vigentes". A avaliação de Barata é que a nova regra não afugenta investidores e alivia o bolso dos consumidores, corrigindo distorções na tarifa para adequar os custos à real demanda dos que usam menos o sistema de transmissão.