Os três ataques de tubarão em um período de aproximadamente 15 dias, no Grande Recife, voltaram a acender o alerta sobre os motivos de os acidentes desse tipo serem tão comuns em Pernambuco. Em todo o Estado, foram 77 incidentes com esses animais, desde 1992, quando começaram os registros oficiais. Os especialistas em biologia marinha são unânimes em afirmar que "não há uma causa única" e sim "um conjunto de fatores" que tornam a região mais propensa a essas ocorrências.
De acordo com a pesquisadora Mariana Azevedo, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Fábio Hazin, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), entre os fatores apontados como "principais" estão: a topografia do litoral pernambucano, com canal profundo perto da costa e antes dos recifes de coral, o que facilita a passagem dos tubarões quando a maré sobe; a escassez de comida, provocada, em grande parte, pela degradação ambiental que atinge os canais para onde os tubarões são atraídos; a construção e ampliação de complexos portuários na região e o crescimento dos índices de esgoto lançados clandestinamente no mar.
Ainda segundo com informações do Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões e outros especialistas consultados pela reportagem, a falta de respeito de banhistas e surfistas à sinalização e às orientações dos bombeiros sobre a proibição de práticas esportivas, mergulho e banho nos trechos considerados "críticos" também propicia a ocorrência de ataques.
"A falta de educação ambiental é um fator importante nessa questão e não pode ser deixada de lado. É evidente que é preciso reforçar as medidas de proteção, investir na ampliação e manutenção da sinalização e retomar urgentemente os estudos e pesquisas sobre os tubarões, que estão parados há anos. Mas não podemos deixar de enfatizar que a grande maioria dos ataques acontece em áreas sabidamente críticas, onde já foram registrados ataques, onde em boa parte há sinalização e alerta constante feito por profissionais do Corpo de Bombeiros", afirma o professor de Biologia Andrey Freire, que tem um canal no YouTube onde compartilha dados, pesquisas e informações sobre tubarões.
Como explicar, continua ele, a insistência de pessoas em entrar no mar, minutos após o ataque da última segunda-feira, "fazendo com que os bombeiros literalmente tivessem que tirar um banhista à força de dentro da água?" "É preciso investimento do Estado na educação ambiental. A praia é um dos lazeres preferidos da população. Afinal, é de graça e refresca no calor imenso típico de nossa região. Mas é preciso aproveitar o mar com consciência."
<b>Trechos críticos</b>
No litoral de Pernambuco, desde o município de Olinda até o Cabo de Santo Agostinho, há 36 quilômetros considerados de risco aos ataques de tubarões. De acordo com a pesquisadora Mariana Azevedo, a topografia da região, especialmente no trecho entre a Praia do Pina, na zona sul do Recife, e a Praia do Paiva, no Cabo, favorece a presença dos tubarões na costa, perto da faixa de areia.
"Existe um canal profundo que fica perto da costa onde os banhistas tomam banho e praticam atividades como o surf, mergulho e outras atividades. Ele fica antes dos recifes de coral. Quando a maré sobe, esses animais conseguem passar por cima dos recifes e acabam ficando presos numa posição confortável para estar indo atrás de alimento e aí os ataques acabam acontecendo", afirmou.
Foi exatamente nestas condições que aconteceram os três últimos ataques, em Olinda, ao surfista André Luiz Gomes da Silva, e em Piedade, onde foram feridos um adolescente de 14 anos, que perdeu a perna; e a jovem Kaylane Timóteo Freitas, que perdeu parte do braço esquerdo e teve ferimentos nas pernas e na barriga.
Ainda segundo a especialista, a frequência de ataques de tubarão também tem relação com a construção de empreendimentos de grande porte na região costeira de Pernambuco e com a degradação ambiental local, principalmente aterro de áreas de mangue e poluição. "Os tubarões saem do mar aberto e se aproximem da costa por busca por alimento. Além disso, tubarões costumam ter sua atenção atraída pelo reflexo de dejetos atirados no mar, como sacolas e garrafas plásticas. Ao avistarem esses objetos, eles costumam ir atrás e, muitas vezes, chegam próximo da região com banhistas."
<b>Cuidados</b>
Entre os cuidados apontados pelos especialistas que devem ser adotados por banhistas, surfistas e demais frequentadores do litoral pernambucano estão:
– Obedecer rigidamente às orientações de não entra no mar nos pontos em que o banho de mar e outras atividades aquáticas são proibidas
– Evitar entrar no mar em áreas de mar aberto, especialmente no período de maré alta
– Redobrar a atenção ao amanhecer e ao cair da tarde
– Evitar o banho, mergulho e outras atividades na foz dos rios, em áreas profundas e/ou turvas
– Evitar entrar no mar se estiver sozinho
– Não entrar no mar se estiver com qualquer tipo de sangramento ou alcoolizado
– Evitar o uso de objetos brilhantes dentro da água e sempre recolher todo o lixo produzido durante sua estadia na praia.
Desde que os registros de ataques foram iniciados, em 1992, foram contabilizados 77 casos. Deste total 26 vítimas morreram e 51 sobreviveram com sequelas ou amputações. Dos casos, 67 ataques ocorreram em cidades da região metropolitana e outros 10, no Arquipélago de Fernando de Noronha.