Cidades

Aterros sanitários, um alerta

Procura-se um terreno de 2 milhões de metros quadrados na Região Metropolitana de São Paulo. Esse imóvel deve se situar em uma área de proteção ambiental, de preferência no pé de um morro.

 Também é requisito fundamental que os moradores dos arredores desconheçam a lei para que não incomodem os representantes do Poder Público e da iniciativa privada, dispostos a investir milhões de reais no local. À primeira vista, a descrição poderia indicar a utilização desse pedaço de terra para a implantação de algum empreendimento imobiliário de grande porte.


Só para se ter uma idéia, um lote com essa dimensão serviria para a construção de 88 mil unidades habitacionais da CDHU, com 40% do terreno destinado às moradias e o restante à implantação de ruas, espaços de lazer e áreas verdes, como manda o figurino. No total, seriam atendidas 439 mil pessoas, divididas em 8.790 blocos com 10 apartamentos, o que reduziria o déficit habitacional no Estado em cerca de 10%.


Mas o que se quer com uma área dessas é dar abrigo a um novo aterro sanitário, que possa receber milhões de toneladas da região Metropolitana de São Paulo. Na verdade, se trata de uma história que se desenrola há algum tempo e que promete ganhar novos capítulos nos próximos meses, com conseqüências trágicas para o Meio Ambiente.


O roteiro já é conhecido de muita gente. Tudo começou dois anos atrás, quando uma construtora adquiriu um terreno em Mogi das Cruzes, a 70 quilômetros da capital paulista, disposta a investir na construção de um equipado e moderno aterro sanitário. Escolheram um terreno ao lado de indústrias, condomínios de alto padrão, propriedades agrícolas e assentamentos do Incra. Ganharam como inimigos os 350 mil moradores de Mogi, que desde o início se posicionaram contra o fato de a cidade se transformar em um depósito de lixo. Resultado: a Justiça entrou no caso e impediu que a implantação do aterro sanitário seguisse adiante.


Alguns meses se passaram e a empresa voltou a atacar em outra área, de mesmo tamanho, localizada na Zona Leste de São Paulo, onde já existe um aterro de 500 mil metros quadrados, o Sítio São João. Com a chegada dos novos “investimentos”, o espaço para estocar diariamente as 6 mil toneladas de lixo quadruplicaria, permitindo a produção de uma quantidade considerável de gás que viraria crédito de carbono para engordar os cofres públicos. É o capitalismo de vanguarda, que negocia índices de poluição na Bolsa de Valores, aliado aos métodos ultrapassados para enterrar a sujeira.


O script do Sítio São João é bem parecido com o de Mogi. Para começar, a empresa elaborou um relatório de impacto ambiental com milhares de páginas tecendo loas ao empreendimento, com conteúdo disponível na internet apenas para leitura. Depois, conseguiu marcar uma audiência pública em tempo recorde para expor seus planos à comunidade, com anuência da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.


Pelo jeito, acreditaram que levariam vantagem por enfrentar um número bem menor de pessoas. Vão dar com os burros n’água, porque já tem gente se mobilizando para evitar uma catástrofe ambiental. O Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) se posicionou contrariamente ao empreendimento, enquanto a Secretaria faz vista grossa e se esquiva de levar o debate à população.


O órgão estadual não percebe, ou ignora, que o Morro do Cruzeiro, uma das áreas mais altas da cidade, foi apontado como Área de Proteção Ambiental (APA) durante a elaboração do Plano Diretor do município, o que por si só já caracterizaria o impedimento de um aterro sanitário no local. Sem contar o fato de o terreno argiloso apresentar riscos constantes de desabamento, podendo repetir acidente ocorrido no mesmo local em agosto desse ano.


Esse desejo incomensurável do governo do Estado de São Paulo em atrair um empreendimento desse porte para a região metropolitana se justificaria, e com ressalvas, em uma situação emergencial. Mas não é o caso nesse momento, já que existem acordos e opções para amenizar o problema. Se houvesse a mesma pressa para educar, a começar pela conscientização com a diminuição do uso do plástico, o governo estaria prestando um serviço muito melhor à população. Mas o tempo urge a favor dos outros.


Sebastião Almeida é deputado estadual pelo PT, coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Água e presidente da comissão de Serviços e Obras Públicas da Assembléia Legislativa de São Paulo. E-mail: [email protected]

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