Variedades

Ator Felipe de Carolis relata seus problemas ao tratar de terrorismo

Duas coincidências significativas marcam as opções teatrais do ator e produtor Felipe de Carolis nos últimos anos – e ambas têm uma íntima proximidade com ataques terroristas. Responsável pela montagem das obras do premiado dramaturgo libanês Wajdi Mouawad no Brasil, Carolis enfrentou (e ainda se depara com) problemas de patrocínio provocados pela desconfiança. Foi assim com Incêndios, que se tornou um dos principais espetáculos de 2013 e 2014, e tem sido agora com Céus, em pré-produção.

“Wajdi nasceu no Líbano, teve de fugir da guerra em seu país e foi com a família para a França. De lá, seguiu para o Canadá. Fundou companhias nos dois continentes. Voltou para a França, onde mora hoje, e não parou de ensaiar, nem por medo dos ataques”, conta De Carolis. “Mas conseguir viabilizar a obra de um dos autores mais premiados e enaltecidos do mundo ainda tem sido uma guerra particular.”

Além da já habitual dificuldade de encontrar apoio financeiro, o ator e diretor foi penalizado pela má coincidência de fatos. Quando se preparava para estrear Incêndios, no Rio, ocorreu a morte de Wissam al-Hassan, chefe da inteligência libanesa, em outubro de 2012, quando foi assassinado em uma explosão. O crime acentuou a suspeita de que um dos planos do governo sírio de Bashar al-Assad para se manter no poder era desestabilizar o Líbano.

O fato, ao invés de despertar interesse por obras artísticas vindas daquele país, teve efeito contrário – De Carolis conta que Bárbara Heliodora, importante crítica de teatro que morreu neste ano, dizia que o público daqui não seria capturado por Incêndios, porque a peça tratava de duas realidades muito distantes do cotidiano brasileiro: guerra e Líbano. Não foi o que ocorreu e a peça tornou-se uma das mais elogiadas e premiadas do ano.

“O sucesso mostrou também que Incêndios se aproxima da nossa realidade. Afinal, por que somem Amarildos? Por que as pacificações de favelas são tão efêmeras? A peça trazia Marieta Severo no papel de uma mulher de origem árabe que migra para o Ocidente com o casal de filhos gêmeos (Felipe de Carolis e Keli Freitas). Ela deixa em testamento uma missão para ambos: encontrar o pai, julgado morto, e um irmão de quem eles nunca ouviram falar.

Agora, quando se prepara para produzir Céus, Felipe de Carolis passou por situação semelhante, a partir dos atentados de 13 de novembro, em Paris.
Encenada pela primeira vez em 2009, a peça é considerada a última parte de uma tetralogia da qual Incêndios também faz parte. O espetáculo acompanha uma equipe internacional chamada Sócrates, isolada em um lugar secreto, tentando decifrar mensagens de terroristas. O trabalho é abalado quando um dos membros comete suicídio por razões desconhecidas.

A trama, aparentemente distante da realidade brasileira, revela, ao contrário, uma proximidade por causa da tecnologia, entende De Carolis. “É claro que não sou capaz de sentir a dor de uma família Síria fugindo de suas casas, ou de um pai que perdeu seu filho que assistia ao show do Bataclã”, observa. “Mas vivemos uma época em que chamar qualquer coisa de distante é inconcebível. Todo mundo acompanha tudo, na palma das mãos. Em tempo real.”

Para ele, Céus mostra tanto muçulmanos quanto católicos ou ateus movimentando e propagando. “A arte não pode ter limites, de tempo, espaço, encenação”, diz. “E, em Céus, há uma proximidade imediata, uma relação mais objetiva com fatos, especialmente o que aconteceu na França. Mas chamo atenção para o sentimento de vingança que cada pai passa para seu filho que está baseado no amor, segundo eles. Um amor que eles aprenderam de maneira torta, nas bases, nas suas origens, e só assim honrarão e defenderão seus ideais.”

Um outra triste semelhança com a tragédia em Paris diz respeito à música – se, na vida real, um dos principais alvos foi a casa de espetáculos Bataclan, na peça, a letra de uma música especifica é um código que prende personagens e plateia a um mistério que culmina num grande acontecimento. “É difícil falar sem dar spoiler”, comenta o ator. “Mas posso dizer que ela está diretamente atrelada ao fato de os jovens serem hoje responsáveis por grandes movimentos, por causa de um passado inflamado. A música e as artes plásticas entram na estrutura da peça como um elemento à la Código Da Vinci.”

De Carolis mantém contato constante com Mouawad. “Ele está prestes a estrear como ator uma nova peça. Mas diz que seu sonho esta sendo realizado, e nós artistas somos responsáveis por isso: a união e compreensão dos povos e histórias.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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