Estadão

Aumentam as pesquisas sobre violência armada nos EUA, e uma cidade procura ajuda na ciência

"Foi ali que eu levei um tiro", diz Rashaad Woods, acenando com a cabeça na direção de uma loja de conveniência na "zona de armas" de Knoxville. Havia buracos de bala nas paredes de uma igreja. Perto dali havia uma casa noturna fechada, onde pessoas haviam sido mortas.

"Houve um momento em que eu não me sentia confortável em estar aqui", diz Kodi Mills, de 45 anos. "Mas esse momento está passando."

Os homens trabalham para o programa Turn Up Knox, que em um ano de duração vem orientando jovens e neutralizando situações que poderiam evoluir para a violência. É uma peça central da tentativa da cidade, no estado americano do Tennessee, de seguir um manual baseado na ciência para combater o aumento nos tiroteios.

As análises de estudos começaram a concluir que existem evidências suficientes para dizer quais intervenções de saúde pública evitam tiroteios, quais não, e quais ainda precisam de mais pesquisa. Knoxville faz parte de um número cada vez maior de cidades que se uniram a pesquisadores para desenvolver um plano baseado em evidências para estancar o sangramento.

O programa de Knoxville inclui mudanças no policiamento e outras iniciativas, mas não conta com novas restrições ao porte de armas. Isso era importante, uma vez que o Tennessee vem repetidamente tomando medidas para afrouxar a legislação de armas de fogo.

"Eu queria respostas", diz a prefeita de Knoxville, Indya Kincannon.

As pesquisas sobre prevenção de violência armada, que até recentemente quase não existiam, vêm experimentando um salto com o aumento das mortes em tiroteios, a expansão do financiamento e o crescente ativismo.

Há duas décadas, havia apenas 20 pesquisadores americanos concentrados na prevenção à violência armada. No final do ano passado, mais de 600 se reuniram em Washington para uma conferência nacional sobre o assunto.

O financiamento continua a ser apenas uma fração do que é gasto em outras importantes causas de morte. Ainda assim, a pesquisa "simplesmente explodiu" nos últimos anos, segundo Rebecca Cunningham, pesquisadora da Universidade de Michigan.

O trabalho aborda a pior violência armada em décadas. Os pesquisadores estimam que tenham acontecido mais de 48 mil mortes por armas de fogo no ano passado nos EUA, com taxas de suicídios e homicídios relacionados a armas que não eram vistas desde o início da década de 1990. Tiros são a principal causa de morte de crianças e adolescentes nos EUA.

Embora subsistam perguntas importantes, há um consenso cada vez maior sobre quais políticas fazem diferença, e quais não.

De acordo com uma avaliação da Rand Corp., entre as medidas eficazes estão as leis que permitem responsabilizar criminalmente adultos que deixam crianças terem acesso a armas sem supervisão, verificações de antecedentes bem aplicadas, e políticas que proíbem que pessoas sujeitas a medidas restritivas por violência doméstica tenham acesso a armas.

Medidas que não funcionam: legislação que autoriza uso de legítima defesa e porte oculto de armas, o que, segundo as pesquisas, pode aumentar os homicídios por arma de fogo; e programas de recompra de armas, que demonstram ter pouco ou nenhum efeito sobre a criminalidade.

Aproximadamente 16% da população de Knoxville é negra, e cerca de 40% vive na pobreza, muitos em East Knoxville, onde há um surto de violência armada.

Em outras cidades dos EUA, a violência aumentou durante a pandemia da COVID-19, quando os adultos ficaram desempregados, as crianças não tinham escola e as pessoas estavam ansiosas.

Até então, a taxa de homicídios ficava em torno de 20 por ano. O número disparou para 38 em 2020 e voltou a subir para 41 em 2021, dando a Knoxville uma taxa de homicídios comparável à de Chicago.

Quando os tiroteios se intensificaram, Kincannon procurou Thomas Abt, cujo livro, "Bleeding out" ("Sangrando"), propõe um plano para as cidades que inclui o trabalho conjunto entre polícia e organizações comunitárias.

E crucialmente, o programa de Abt não depende de ação do legislativo para restringir o acesso às armas. Isso foi fundamental, porque o governo do estado do Tennessee tem caminhado na direção oposta.

Em 2021, o estado passou a permitir que as pessoas portem armas, visíveis ou ocultas, sem necessidade de autorização. Este ano, a idade mínima para portar armas caiu para 18 anos.

Mesmo depois de um atentado a tiros que matou três crianças e três funcionários de uma escola primária em Nashville este ano, a maioria de republicanos no legislativo estadual se opôs aos apelos por uma legislação mais rígida sobre as armas de fogo. Dois parlamentares negros que protestaram contra a omissão foram cassados.

Kincannon apoia a expansão da verificação de antecedentes e outras medidas de controle de armas, mas explica que a iniciativa de Knoxville pretende fazer a diferença "independentemente do que aconteça no legislativo".

Knoxville se tornou a primeira cidade a aderir ao programa de Abt no Centro para Estudo e Prática da Redução de Violência na Universidade de Maryland, que se associou a um pesquisador externo para analisar a criminalidade violenta na cidade.

Não houve muitas surpresas, segundo o subchefe de polícia de Knoxville, Tony Willis.

A idade média dos suspeitos nos tiroteios foi de 28 anos, e a das vítimas, 29 — uma proporção inesperadamente alta e "muito mais velha do que eu esperava",disse ele.

Apenas 12% dos homicídios estavam exclusivamente relacionados às gangues, muito menos do que se esperava, segundo Willis. Isso sugere que a violência com armas de fogo frequentemente decorreria de disputas pessoais que poderiam ser mediadas ou evitadas antes que os tiros fossem disparados.

A pesquisa também deu suporte aos dados policiais que mostram que a maioria da violência armada acontecia em alguns "pontos críticos", principalmente em East Knoxville, levando a um plano que concentrou os esforços policiais e comunitários a uma área de nove quarteirões.

Um dos objetivos é aumentar a confiança das pessoas nas forças de segurança, que muitas vezes era extremamente baixa. Um ponto baixo veio em 2021, quando um policial matou um estudante no banheiro de uma escola de ensino médio em East Knoxville.

"Uma pessoa havia sido morta em plena luz do dia, com muitas testemunhas, mas ninguém queria falar", diz Kincannon, e acrescenta: "é preciso construir confiança".

A cidade financiou o programa Turn Up Knox, que emprega ex-infratores, sobreviventes de violência e outros integrantes da comunidade para identificar as pessoas em maior risco de levarem tiros ou se tornarem atiradores no futuro.

Eles orientam adolescentes e estão ensinando as famílias a mediar conflitos e lidar com o trauma que acompanha os tiroteios. Quando alguém corre o risco de sofrer um atentado por vingança, dão a essa pessoa uma passagem de ônibus para sair da cidade por alguns dias.

É muito cedo para dizer se essas medidas estão fazendo diferença.

Houve 36 homicídios no ano passado, em comparação aos 41 do ano anterior. Mas os homicídios com armas de fogo diminuíram no país inteiro no ano passado, e os especialistas ainda não sabem ao certo o motivo. Nos primeiros seis meses deste ano, Knoxville teve 15 homicídios, uma redução em relação aos 18 no mesmo período de 2022.

Alguns especialistas têm impressões contraditórias sobre a abordagem de Knoxville.

Abt é "muito respeitado" e se concentra em medidas imediatas para reduzir a violência armada, mas não dá ênfase aos programas de redução da pobreza e da desigualdade racial, segundo Jim Mercy, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.

O programa também não lida diretamente com os suicídios com emprego de armas, que superam em número os homicídios.

Alguns moradores de East Knoxville observam que a área tem poucas lojas e lugares seguros para os mais jovens se divertirem, e oportunidades limitadas para trabalhos temporários durante as férias.

"Os jovens precisam ter alguma coisa para fazer", diz Chloe Isom, de 41 anos, que perdeu dois filhos para a violência armada no ano passado.

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O Departamento de Saúde e Ciência da The Associated Press recebe apoio do Grupo de Mídia Científica e Educacional do Instituto Médico Howard Hughes. A AP é a única responsável por todo o conteúdo.

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