Depois de meses acusando o Ocidente de montar um complô, as autoridades da Rússia pela primeira vez admitem que conduziram uma das maiores conspirações da história do esporte, num amplo esquema de doping envolvendo mais de mil atletas.
Investigações haviam apontando para um doping de Estado, conduzido com a ajuda do governo e num esquema para garantir medalhas. A apuração levou mais de um terço da equipe russa a ser excluída dos Jogos do Rio. Mas o Comitê Olímpico Internacional (COI) optou por manter o país no evento, alegando que não poderia haver uma punição coletiva.
Agora, a diretora geral da agência nacional de doping da Rússia, Anna Antseliovich, admitiu ao jornal The New York Times que houve uma “conspiração institucional”.
Isso envolveu o serviço secreto russo, federações e centenas de atletas, tudo com o conhecimento do governo.
Um diretor do laboratório manipulou as amostras de urina nos Jogos Olímpicos e providenciou coquetéis de drogas para melhora da performance esportiva, corrompendo algumas das competições de maior prestígio mundial. Membros do Serviço Secreto Federal, sucessor da KGB, violou garrafas de amostras de urina. E um vice-ministro do Esporte ordenou durante anos que os atletas de elite que usavam substâncias proibidas fossem encobertos.
Segundo o jornal norte-americano, a mudança de tom pode ser motivada pelo desejo dos russos de se reconciliar com o COI e com as federações, sabendo que podem ser alvo de uma punição severa diante das revelações de Richard McLaren, o autor dos informes da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês).
Apesar do reconhecimento, as autoridades russas optam por preservar Vladimir Putin, insistindo que ele não pode ser responsabilizado. Segundo Antseliovich, os altos membros do governo não sabiam do esquema, uma versão que se contradiz com o que a Wada denunciou. Atletas que revelaram o esquema também insistem que o governo sabia de tudo.
“Fizemos muitos erros”, admitiu Vitaly Smirnov, escolhido por Putin para reformar o sistema antidoping da Rússia. Ele, porém, também nega o envolvimento do presidente. No total, 650 atletas russos já foram denunciados.
Apesar de admitir o esquema, os russos insistem que o doping não é um problema apenas deles e que dados revelados de atletas ocidentais mostram que trapaças também ocorreram com algumas das maiores potências. Para os russos, porém, Moscou não é tratada da mesma forma pelas entidades internacionais. “O sentimento na Rússia é de que não tivemos a oportunidade de nos defender”, disse Smirnov.
Para outras autoridades russas, o mesmo esquema feito por Moscou pode ter sido realizado por outros países nos Jogos de Londres-2012 e Pequim-2008, além de em outras competições. “É o sistema que está falido”, alertou Victor Berezov, advogado do Comitê Olímpico Russo.
Moscou, com um time de cerca de 20 pessoas, está tentando reformar o sistema de controle de doping e, segundo o NYT, exemplos como o da Alemanha e França foram avaliados. Para Smirnov, porém, central no trabalho será mudar as mentalidades.
Mas parte da corrida dos russos por limpar seu nome tem relação com lucros. Vários eventos esportivos marcados para ocorrer na Rússia em 2017 foram cancelados e patrocinadores temem pela Copa de 2018, justamente na Rússia.