Quando a manicure Luana Santana, de 27 anos, viu que o número de clientes só diminuía com o avanço dos casos do novo coronavírus, ela ficou sem saber o que fazer. "Todo mundo ficou preocupado, porque tenho dois filhos e dependia do trabalho para viver. Nem sabia que tinha direito ao auxílio emergencial. Descobri por acaso e ainda lembro do alívio que senti ao receber o dinheiro."
Luana, que era beneficiada pelo Bolsa Família com R$ 78 por mês, passou a receber R$ 1,2 mil de auxílio, por ser mãe solteira. "O benefício demorou para ser aprovado. Só via a despensa ir ficando mais vazia, até que saiu. Nem foi preciso pensar muito. Assim que o dinheiro caiu, eu corri para o supermercado."
De uma hora para outra, as famílias que recebem o Bolsa Família viram seu benefício multiplicar de valor com a pandemia do novo coronavírus. Entre abril e maio, foram beneficiadas pelo programa 14,27 milhões de famílias. Quem antes recebia benefícios de até R$ 205 por mês, passou a receber de três a seis vezes mais, entre R$ 600 e R$ 1,2 mil mensalmente, por três meses – tempo previsto de duração do auxílio emergencial.
Como a principal dificuldade que o governo tem para distribuir o benefício é chegar até as 11 milhões de pessoas que não estavam cadastradas em programas sociais antes da pandemia da covid-19, o Bolsa Família se transformou em questão de meses de alvo de descaso em solução para a distribuição de recursos para os mais vulneráveis.
Se em fevereiro a fila de brasileiros aguardando para entrar no Bolsa Família chegava a 3,5 milhões de pessoas, em meio à pandemia o cadastro antecipado e a rede de distribuição do programa garantiram a via mais rápida de distribuição do auxílio emergencial pelo governo.
Para o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marcelo Neri, o benefício triplicado teria de ser acompanhando de um programa de finanças pessoais, para que as famílias se preparem melhor para lidar com o aumento do benefício. "Não é comum que se conceda o equivalente a seis benefícios de Bolsa Família de uma vez só. Embora o cenário atual exija um benefício maior para as famílias."
Há mais de um mês, o colunista do jornal O Estado de S. Paulo Pedro Fernando Nery já alertava que o programa era o instrumento mais efetivo para repor a renda que as famílias irão perder durante a pandemia. "Boas propostas de reforma do Bolsa Família já tramitavam desde o ano passado."
<b>Renovação</b>
Economistas ouvidos pela reportagem discutem que o Bolsa Família deve ser ampliado para um valor maior por mais tempo do que os três meses do benefício de emergência. Eles defendem que o valor de até R$ 205 não vai ser suficiente para o Brasil após pandemia.
Um deles é Ricardo Henriques, que ajudou a criar o Bolsa Família em 2003 e hoje é superintendente executivo do Instituto Unibanco. Ele lembra que é preciso pensar nas famílias que perderam renda, mesmo com o aumento do valor recebido do benefício. "As famílias produziam rendas complementares, muitas como informais."
Ele diz que após a crise será preciso pensar em uma política de crescimento econômico do País que contemple a transferência de renda. "Mais pessoas e famílias ficarão vulneráveis. Vai ser preciso manter essa renda mínima e um valor maior do Bolsa Família por mais tempo pode ser mesmo necessário."
Antes mesmo do início do pagamento do auxílio emergencial, no mês passado, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já recomendava que a fila de espera do programa ficasse zerada e sugeria reajuste até permanente dos pagamentos e das linhas de elegibilidade do programa em aproximadamente 29%.
"Dada a defasagem do poder de compra dos benefícios atuais do Bolsa Família e os riscos econômicos e sociais decorrentes da pandemia, parece um preço baixo a pagar para garantir um nível mínimo de bem-estar aos mais pobres", diz o Ipea.
"A fatia da população abaixo da linha da miséria vai subir. O ideal seria manter o benefício em R$ 500 como regra permanente. É uma despesa que pode ser financiada com a reintrodução do imposto sobre lucros e dividendos", diz José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília.
<b>DEPOIMENTOS</b>
<b>Maria dos Milagres, de 32 anos, diarista em Teresina</b>
Essas dificuldades acabam fazendo parte da rotina da gente
"Fazia duas faxinas por semana, e com os R$ 480 mensais que recebia, mais os R$ 130 do Bolsa Família, eu ia cobrindo as minhas despesas e as do meu filho de 14 anos, que precisa de cuidados especiais e tenta receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas até agora não conseguiu. Quando vi que iria receber o auxílio de emergência, comemorei. É um dinheiro muito bem-vindo, que vai me ajudar a colocar as contas em dia. Vou guardar uma parte, pois a gente não sabe o dia de amanhã. Preciso ter cuidado para não faltar depois lá na frente, quando isso passar.
Apesar dessa ajuda, preferia não ter de passar por esse momento tão difícil, em que tanta gente está morrendo e tantas famílias estão sendo destruídas. Eu me coloco no lugar dessas pessoas que perderam seus entes queridos e todo dia peço a Deus para proteger a todos nós. Temos uma vida difícil, mas é melhor sempre estarmos com saúde e podendo sair de casa.
As dificuldades acabam fazendo parte da rotina da gente. Minha última faxina foi no dia 12 de março. As pessoas me dispensaram para reduzir o risco de contaminação e, desde então, eu tinha como renda certa apenas os R$ 130 do Bolsa Família, agora o auxílio emergencial finalmente foi depositado.
Nesses últimos meses, só não passei fome porque estava recebendo doações de vizinhos e de instituições de caridade. Mas as contas de água, gás e os gastos no supermercado estavam atrasados, enquanto esperava receber a primeira parcela do auxílio emergencial."
<b>Luciana Félix, 44 anos, vendedora em São Luís</b>
Apesar do valor maior do auxílio, não vai sobrar dinheiro
"Moro na periferia da capital do Maranhão e faço parte há cinco anos do grupo de pessoas que recebem o Bolsa Família. É um valor que pode até não ser muito para algumas pessoas, mas me ajuda bastante na hora de comprar alimentos no supermercado para a minha família e a pagar os serviços essenciais da nossa casa, como água e luz.
Antes, recebia R$ 130 por mês com o benefício. Agora, durante o período em que estiver recebendo o auxílio emergencial, de R$ 1,2 mil, vou conseguir cobrir as principais despesas, é um dinheiro que vai ajudar a suprir as necessidades da minha família.
Apesar do salto no valor que recebia, o dinheiro não vai sobrar. Eu até tento guardar alguma coisa para uma emergência lá na frente, mas é muito difícil, acabamos gastando quase tudo com alimentação. E as coisas estão cada vez mais caras. Entendo a importância das medidas de isolamento social por causa da covid-19, mas tudo isso acabou afetando muito a minha renda e a do meu filho. O meu trabalho depende de gente podendo circular nas ruas.
A gente não sabe até quando vamos precisar ficar em casa, mas tudo que espero agora é que esse problema passe logo e que a rotina possa ser restabelecida. Quero voltar a trabalhar e ter também um complemento de renda. O auxílio tem me ajudado muito mesmo, mas o que mais quero agora é que essa epidemia passe e que as coisas voltem a ser como eram antes. É difícil, mas vamos vencer esse vírus." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>