Quando foi necessário mostrar aos alunos de uma turma de mestrado em Letras que na criação ficcional – por mais imaginosa que ela seja – subjaz sempre a realidade experimentada por seres humanos reais, convidei para minha sala de aula um senhor, nascido em Belém do Pará, hoje, com mais de 80 anos de idade, Carlos Gustavo Mercês de Carvalho. Depois de observá-lo, uma aluna, Lívia Lopes Barbosa, descreveu-o como “um lobo do mar”, num requintado perfil. Lívia poderia ter acrescentado: semelhante ao capitão-de-longo-curso Vasco Moscoso de Aragão, criado por Jorge Amado, no livro “Velhos Marinheiros”, interpretado pelo ator português Joaquim Almeida, no filme “O Duelo”, cuja imagem acompanha este texto.
E ainda: com a diferença de que o personagem de Amado inventava suas aventuras, e, ele, próprio, naquela narrativa, era um falso homem do mar. Enquanto Gustavo, comandou, de fato, por muitos anos, o “Juruá”, um petroleiro da Petrobrás. Neste navio, cujo tamanho ele comparou ao de um campo de futebol profissional, Gustavo viajou 17 vezes para o Japão, 13 vezes para a China, 16 vezes para os Estados Unidos e mais de 30 vezes para o Golfo Pérsico. Sempre com a responsabilidade de cuidar da tripulação – composta de oficiais da Marinha e de marinheiros – e de valiosos carregamentos de petróleo.
A certa altura da aula, Gustavo revelou:
– Em cada 270 dias do ano existem temporais no sul da África, que formam as famosas Correntes das Agulhas. Quem vem costeando a África pelo lado leste, vem acompanhando essas correntes. Que ficam mais fortes num trecho da África do Sul, a partir de Santa Lúcia. Justamente ali existe um encontro de ar quente com ar frio. E se formam ondas de baixa pressão, de onde sai um pé de vento de uns 60, 70 nós, que atua sempre no sentido oposto ao das correntes. O vento retarda a corrente, trava o mar e suspende o tamanho das ondas. Vai soprando mais forte e os vagalhões crescem. Ficam verdadeiras montanhas de água. Você pode escapar da primeira, mas o navio "enterra". Nisso, vem outro vagalhão. E o navio se parte em dois. Porque fica mergulhado, ainda na tentativa de se suspender. Faz força para voltar à posição normal. E um novo vagalhão arrebenta tudo.
Os alunos, claro, adoraram ouvir Gustavo. Sobretudo, depois que descobriram que ele era também “um menino brincalhão”, como registrou Lívia. Um mestre na arte de produzir pipas, papagaios. Que, distribuía pela molecada de seu bairro para brincar com eles, no céu.