Insatisfeitos com a versão final do projeto que revisa o zoneamento das ruas de São Paulo, ao menos 17 associações de moradores se mobilizam para ingressar na Justiça com uma ação civil pública contra a nova lei. A intenção é frear o aumento do comércio nos bairros exclusivamente residenciais e assegurar o cumprimento das diretrizes urbanísticas definidas pelo Plano Diretor.
Os grupos alegam que o texto aprovado no mês passado por 45 dos 55 vereadores não foi devidamente discutido com a população, uma vez que sua publicação no Diário Oficial da Cidade aconteceu poucas horas antes de ser votado no plenário da Câmara Municipal e sem que fossem divulgadas as atualização feitas no mapa. Além disso, essa última versão ainda recebeu remendos de parlamentares tanto da base aliada como da oposição. Após a votação, outras 24 emendas foram aprovadas em separado.
Segundo o jurista Adilson Dallari, há jurisprudência favorável a esse tipo de ação no Tribunal de Justiça de São Paulo. “Legislação urbanística não pode ser feita em gabinete. A Constituição exige ampla participação popular. Essa lei de zoneamento até que começou bem, com a realização de audiências públicas, mas foi atropelada no final, com muitas mudanças de última hora e algumas delas para atender a interesses que não são da coletividade”, diz.
Completa a lista de argumentos das associações o fato de o projeto de lei que revisa os tipos de uso e ocupação do solo da capital ferir uma série de artigos do atual Plano Diretor, também elaborado pela gestão Fernando Haddad (PT). Esses dispositivos impedem, por exemplo, as mudanças que possibilitaram uma ampliação na quantidade de garagens permitidas em apartamentos a serem construídos nos eixos de transporte – vias com estações de metrô e corredores de ônibus.
A advogada Célia Marcondes, da Sociedade dos Amigos, Moradores e Empreendedores do Bairro Cerqueira César (Samorcc), afirma que o produto final entregue pelos vereadores é inadequado.
“Essa lei é uma afronta à sociedade paulistana. Mexe com os bairros consolidados da cidade, sem a anuência de seus moradores, entra em choque com o Plano Diretor e ainda não respeita o direito da população de ser ouvida. Dar três minutos para a gente falar em audiência pública não é abrir um diálogo”, diz.
Além da Samorcc, participam do movimento associações de moradores de bairros como Vila Leopoldina, Parque Continental, Brooklin, Alto da Boa Vista, Campo Belo, Vila Nova Conceição, Alto da Lapa, Vila Anglo e Moema.
Os vereadores Gilberto Natalini (PV) e Ricardo Young (Rede) também já anunciaram que pretendem protestar contra a lei na Justiça. Natalini ressalta que o projeto não contém os perímetros das zonas descritos em forma de texto, o que, segundo ele, fere a Constituição.
Veto. No geral, os moradores pleiteiam o veto à instalação de atividades incômodas perto de suas casas. Eles exigem que a lei traga a lista do que será ou não permitido nas zonas comerciais (ZCORs) criadas ao lado de zonas estritamente residenciais (ZERs).
Por enquanto, apenas três bairros foram oficialmente protegidos de baladas, teatros, bares e restaurantes: City Lapa, Pacaembu e Jardins. A justificativa do governo é que os três são tombados. O Jardim da Saúde também é, mas não teve o mesmo tratamento.
Para representantes da Associação dos Moradores do Brooklin Velho (Sabrove), o novo zoneamento é irregular também porque atende a pedidos de particulares. Eles citam algumas emendas que favorecem um ou outro interessado, mas prejudicam o todo. Uma delas, assinada por quatro vereadores, altera o zoneamento de uma quadra específica no bairro. “É só para atender aos interesses de uma empresa instalada na rua de trás”, afirma o empresário Manoel Lage.
A emenda citada pelo morador altera um trecho pequeno da Rua da Prata, atualmente ZER, onde hoje não existe comércio. Com a troca para ZCOR, uma empresa de água mineral, dona de um terreno com frente para a Avenida Vicente Rao, poderá abrir uma segunda entrada, ou mesmo uma loja ali.
O vereador Ricardo Nunes (PMDB) afirma que a emenda visa a regularizar a situação da empresa e impedir que ela fique à mercê de fiscais. “Essa mudança não provocará prejuízo ao bairro. Além disso, o texto aprovado em primeira votação já previa essa mudança de um lado da rua. Só estendemos para o outro”, diz.
Para Dallari, detalhes como esse podem fazer da ação civil uma peça vitoriosa. “Alguns artigos, não a lei toda, podem ser declarados nulos pela Justiça.”
A Prefeitura de São Paulo não comenta a lei porque o texto ainda está em análise e aguarda a sanção do prefeito Fernando Haddad. A previsão é de que seu aval seja dado até o fim do mês. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.