Quando era adolescente, Ismael Ivo lembra que passava na frente do Teatro Municipal, no centro de São Paulo, olhava para aquele edifício histórico e não imaginava que um dia poderia entrar nele. Negro, de família humilde e morando na zona leste, Ivo focou na arte da dança como inspiração e depositou nela todas as suas perspectivas de sonhar, de acreditar. Atualmente, aos 62 anos, coreógrafo e bailarino consagrado, com uma carreira internacional consolidada nas últimas três décadas, Ismael Ivo é o novo diretor do Balé da Cidade de São Paulo, corpo de 34 bailarinos do Teatro Municipal – no exato lugar onde, ali atrás, ele achou que nunca iria conseguir pisar. O convite partiu do secretário da Cultura de São Paulo, André Sturm.
No palco, sua gestão será inaugurada, assim como a temporada 2017 da companhia, com o programa Corpo Cidade, que estreia nesta sexta-feira, 24, às 20h, reunindo duas coreografias: a inédita Risco e a reapresentação de Adastra. “Risco é o primeiro movimento do braço, de iniciar uma obra de arte. Para mim, a dança é um documento do nosso tempo, da nossa cidade, de renovação, de questionamento, de como cultura e arte são acessíveis”, conceitua Ismael Ivo, que recebeu a reportagem no Municipal – e diz isso com um leve sotaque de quem morou muitos anos fora do País e passou grande parte desse tempo falando os outros cinco idiomas que aprendeu.
Enquanto conta sobre a companhia e o trabalho que iniciou com os bailarinos, seus olhos brilham e suas mãos gesticulam no ar de forma quase cênica, entre movimentos suaves e mais contundentes. Ivo reforça, a cada momento, a forte relação que o Balé da Cidade assume com São Paulo a partir de agora. E Risco já trava essa conexão com a cidade. A começar pela inspiração que o espetáculo tem na arte do grafite. Ivo conta que o tema surgiu justamente da polêmica sobre pichação e grafite, logo depois que João Doria assumiu a prefeitura de São Paulo. “Isso é um grande privilégio, nunca a arte do grafite foi tão comentada abertamente. É um momento de ouro para os artistas do grafite. Nunca eles foram tão debatidos, valorizados”, acredita Ivo. “Estou voltando para a minha cidade, estou vendo e sentindo o que é essa cidade hoje, o que é importante se discutir, se rever, e eu vejo o Balé da Cidade não só produzindo balés, que têm uma importância no seu repertório atual ou futuro, mas ser também um organismo que dialoga com a cidade.”
Segundo ele explica, essa relação não envolve apenas levar o público para dentro do teatro, por meio de ensaios abertos e projetos especiais, mas também levar a companhia para outros espaços públicos, como bibliotecas e teatros municipais. “Por exemplo, os bailarinos vão dar oficinas abertas em várias bibliotecas: de dança contemporânea, clássica, moderna. Estamos preparando várias oficinas atendendo adolescentes, crianças, genitores.”
Ao assumir a direção da companhia, Ivo diz que se impressionou com o alto nível dos bailarinos. E, desde o início, mudou a rotina deles. “Todos os dias, eles fazem ioga, meditação, e só depois o balé. Eu disse para eles: acho que é um momento de darmos a oportunidade de zerar e aí criar, descobrir coisas novas. O Balé da Cidade, para mim, é um laboratório vivo, em que não só se pesquisa – porque a arte é uma pesquisa constante -, mas que depois apresenta uma reflexão, e isso deu para a companhia um novo início”, observa ele.
“Os próprios bailarinos disseram: sempre fomos encarados como uma elite distante. E hoje eu digo assim: não, vocês têm que viver essa cidade, ver o que está acontecendo. O bailarino não se faz só entre quatro paredes, segurando na barra de balé. O artista traduz na sua arte o que ele está vivendo.”
BALÉ DA CIDADE
Teatro Municipal. Pça. Ramos de Azevedo, s/n. Estreia hoje (24), 20h. 4ª, 16h; 5ª, 6ª e sáb., 20h; dom., 17h. R$ 35 / R$ 100. Até 1°/4
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.