Aos 83 anos, Décio Otero confirma porque é A (com letra maiúscula mesmo) referência do balé moderno no Brasil. Sua mais recente criação, Preludiando, que pode ser vista neste sábado, 22, às 21h, e domingo, 23, às 18h, no Sesc Bom Retiro, se parece com um Manifesto sobre o que vem realizando há 45 anos. Desde 1971, quando fundou o Ballet Stagium ao lado de Márika Gidali, é o coreógrafo residente do grupo – um tempo longo e dedicado a um trabalho continuado, que permitiu a consolidação de uma assinatura.
Escrito na forma de dança, neste Manifesto estão os princípios e também os desenvolvimentos de uma proposta de fazer o balé “falar português”. A tarefa a que Décio Otero se propôs implicava em descobrir como aproximar uma dança gestada na Europa dos jeitos e assuntos de um Brasil tão grande e tecido pela diversidade.
Ele foi juntando outros passos e outros gestos ao corpo treinado em balé, agregando informações de outras procedências. Em Preludiando, se reconhecem, dentre outros, aqueles vindos do Teatro de Revista, do cinema de Grande Otelo e Oscarito, de danças de salão e de danças populares e urbanas de muitas extrações diferentes. Todas buscam um jeito de se organizar junto com o vocabulário de balé e também um modo para se materializar no meio dos seus passos. E isso resulta em um balé “alargado” nas suas possibilidades, pois continua a se estruturar no corpo vindo da técnica do balé, que não mais a ela fica inteiramente restrito.
Para além do vocabulário, as lógicas compositivas que são, geralmente, associadas ao balé também foram sendo, ao mesmo tempo, mantidas e expandidas. A frase que termina na pose está lá, mas o que antecede o momento da pose mistura a verticalidade do balé com sinuosidades de outras famílias de movimento; o modo de entremear solos, duos, trios, pequenos grupos ou todo o elenco foi ocupando o palco de outra maneira e “entrando” um no outro; a ligação com as dinâmicas musicais se mantém, mas é explorada com mais liberdade, convidando o humor para onde ele tinha a entrada vedada.
Preludiando começa contando da vida daquele que homenageia, o compositor Cláudio Santoro, confirmando um dos outros traços do perfil do Stagium: tratar do que corre o risco de não receber a atenção que merece. Não é a primeira vez que Otero se volta para a música erudita brasileira. No repertório das 83 obras já criadas para o Stagium, estão espetáculos com trilhas, por exemplo, de Francisco Mignone, Marlos Nobre, Aylton Escobar e Almeida Prado, além do mais conhecido Villa Lobos.
Deste caldo denso que vem sendo cozinhado, Preludiando se singulariza por destacar as qualidades de cada um dos 12 empenhados bailarinos, que zelam pelo acabamento das linhas que vão desenhando no espaço – o que se deve também à formação com seus professores, Yoko Okada e Lourenço Homem. O grupo emana uma dedicação integral ao seu fazer e, nesta coreografia, cada qual tem o momento em que é valorizado na particularidade que o caracteriza.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.