O timbre de uma voz humana pode ser estridente ou aveludado. Sua intensidade, frouxa ou tensa. Seu tom, autoritário ou suave. A velocidade com qual, naquele timbre, as palavras são pronunciadas pode ser atropelada ou vagarosa. A dicção do falante, clara ou embaçada. Todas estas possibilidades compõem um universo riquíssimo da comunicação verbal oral, dentro do qual estamos mergulhados. Mas, do qual mal nos damos conta, embora exista um campo de pesquisa acadêmica dedicado exclusivamente a ele, o da Paralinguagem.
É dentro deste universo que deve ser buscada uma explicação para a ainda enigmática capacidade que alguns cantores de música popular têm de, no curto espaço de tempo de uma gravação – cerca de três minutos -, instaurar, às vezes, um denso clima de emoção. Quem nunca ouviu, pela primeira vez, a gravação de uma canção e se sentiu profundamente atingido por ela? A pergunta intrigante é: o que aquele cantor inseriu em sua voz para torná-la um veículo de tanta emoção?
Este “mistério” já tocou as mais de três milhões de pessoas que ouviram, através da internet, a música “Oração”, em gravação feita, num videoclipe, por jovens que se uniram aos músicos e cantores do grupo “A banda mais bonita da cidade”.
Na gravação é logo perceptível a alegria dos jovens. Mas isto não nos esclarece sobre a capacidade da voz humana de transportar emoção. Permanece o desafio da identificação clara, dos elementos, que, presentes nas vozes daqueles jovens, provocam uma espécie de dor de encantamento. Serão o timbre, a intensidade, a velocidade com as palavras são cantadas, ou quaisquer outros elementos, talvez, ainda sequer conhecidos?
A única certeza possível é a de que o efeito obtido pelos jovens resulta de algum recurso da comunicação por meio das palavras, empregado, certamente, de modo espontâneo e, talvez, inconsciente. E não do roteiro da gravação – preso a outro, da banda Beirut –, nem da música, repetida à exaustão, como mantra indiano.
O que apareceu nas vozes daqueles jovens já esteve presente em outra gravação. E espantou os ouvintes de música popular, 40 anos atrás. A da música “Preta Pretinha” pelo grupo “Novos Baianos”. Nos dois casos, os grupos de cantores e músicos formavam comunidades unidas também pelo prazer que seus integrantes sentiam de tocarem e cantarem juntos. Mas não apenas por isto.
O elemento que se inseriu nas vozes dos jovens dos dois grupos se constitui num reflexo do convívio humano aprofundado, dentro e fora do campo da música. Num reflexo, em suas vozes, da euforia de ser jovem – uma manifestação humana, hoje, pouco mostrada pelos jornalistas, quase sempre ocupados somente com jovens autodestrutivos. Num reflexo, por fim, do tipo de sexualidade própria de um ambiente juvenil. Uma sexualidade alimentada pela graça de corpos atraentes, dotados do privilégio único de obter charme e encanto, com as roupas mais despretensiosas.
Foi este elemento que transportou um verdadeiro sopro de vida, na gravação das vozes dos cantores de “Oração”. E instalou no ânimo de quem a ouviu uma euforia por estar vivo.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP