Uma banda inspirada no rock progressivo dos anos 1970 com um pé no Clube da Esquina que tem o filho caçula de Caetano Veloso como compositor. As notícias até agora sobre o Dônica, baseadas nestas três informações, criaram grande expectativa à revelia da vontade ou de alguma possível estratégia de seus próprios integrantes. As coisas aconteceram mesmo rápido, talvez pelo fato de o tímido Tom Veloso, compositor das letras, ter Caetano como pai e a produtora Paula Lavigne como mãe. Um facilitador que não pode ser tomado como a razão da existência do Dônica.
A reportagem do jornal O Estado de S.Paulo esteve com o grupo em um estúdio de Botafogo, no Rio de Janeiro, na tarde de terça-feira, 16. E ali, diante de olhares às vezes ainda assustados de jovens com idades entre 17 e 18 anos, pode começar a entender o que se falou demais e o que se falou de menos sobre os rapazes. Seu primeiro disco, Continuidade dos Parques, com produção assinada por Daniel Carvalho e Berna Ceppas, sai pela gravadora Sony e os primeiros shows começam a ser agendados. No próximo sábado, 20, e domingo, 21, eles tocam no Solar de Botafogo, Rio. E, em setembro, serão a primeira banda a se apresentar no Rock in Rio, palco Sunset, com participação do compositor e arranjador Arthur Verocai.
O mundo se abriu de repente a um grupo de amigos que começou a história se divertindo na sala de aula. Alguns deles, como o baterista Deco, o tecladista e vocalista José Ibarra e o guitarrista Lucas Nunes, improvisavam batuques diante dos professores. Quando a direção se cansou das reclamações, rendeu-se e cedeu uma sala para que pudessem ensaiar. Ainda só tocavam instrumentos rítmicos, mas a forma como foram trabalhando as sobreposições começou a apontar para uma identidade. “Tínhamos que organizar os arranjos ali, intercalar os ritmos”, diz Ibarra. Era o começo de uma postura de composição que eles parecem adotar.
A respeito das referências citadas até no texto de apresentação assinado por Bruno Natal, que os colocam como seguidores de um rock progressivo ou de filhotes dos mineiros (não menos progressivos) dos anos 1970, percebe-se um “quase” nos dois casos. Eles são muito leves e ainda pouco técnicos para o progressivo deixado por Emerson Lake & Palmer e Yes e muito pesados, de pouca harmonia e mais centrados em guitarras do que em violões para o conceito de Milton, Lô Borges e Toninho Horta. Não são, assim, nem uma coisa nem outra – o que pode ser muito bom para que uma identidade forte se forme, algo que pode ficar mais claro do segundo disco em diante. E isso, o fato de não se conseguir enxergar ainda uma face mais nítida no meio de tanta informação, é uma constatação dos próprios músicos. “Somos ainda uma banda mais melódica do que centrada em letras. Um dia, ainda podemos ser (reconhecidos pelas letras), quem sabe. Muitos grupos só definem sua identidade a partir do segundo disco. Estamos nos descobrindo”, diz Lucas.
A ideia de que a condição de filho de Caetano Veloso faz de Tom um poeta nato, levando o mundo do Dônica a girar em torno de seus versos, é outra a ser demolida. A história é quase o contrário, e é preciso passar quinze minutos ao lado de Tom para entender como esse processo se dá. Tom é tímido, de um acanhamento semi-clínico, que o fez até agora se recusar a participar dos shows pelo pavor dos palcos. Isso deve começar a terminar no final de semana, quando vai subir pela primeira vez para tocar e cantar Assuntos Bons, última do disco, durante os shows no Solar de Botafogo.
Tom, 18 anos, desconstrói qualquer pseudo glamour que poderia ostentar com uma sinceridade que, se o tempo e a estrada não lhe tirarem, fará dele um líder natural. “Eu só passei a gostar de música de dez anos para cá”, diz, sem perceber que corre riscos de sincericídio. Quando explica seu processo de composição, não busca resposta em inspirações extrassensoriais, mas na necessidade de se cantar alguma coisa para o que aquela melodia pede.
Há uma segurança nas criações do Dônica até estranhas a um grupo tão jovem que propõe sair das formas de produção atual do rock em português. A abertura, É Oficial, é quase uma vinheta psicodélica de referências brasileiras. A tranquila Casa 180, de Ibarra e Tom, traduz um clima mineiro até que o refrão leve a um desenlace pop. Eles trabalham muitos vocais e fazem disso uma outra grata característica. Milton Nascimento é uma das facilidades, vinda por Caetano, que os garotos souberam usar bem. Sua voz está na bela canção Pintor: “Tela, pinta Renoir / Clara, eu não sei pintar / Tentei, mas não sou pintor / No oriente certa vez achei a flor”. O caminho que traçam é tão original que só deve ser melhor percebido no segundo álbum. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.