O Dingo Bells não sofre de “bucolismo profundo”, como já cantou a banda soul Garotas Suecas. Pelo contrário. Banda urbana, nascida e criada em Porto Alegre, o grupo escancara toda a beleza agridoce da vida moderna entre prédios e carros. A realidade de quem está à beira de ultrapassar a marca dos 30 anos e o que isso significa em 2015 – o que é diferente, por exemplo, do que passou a geração dos pais do trio formado por Rodrigo Fischmann (voz principal, bateria e percussão), Diogo Brochmann (voz, guitarra e teclas) e Felipe Kautz (voz e baixo).
Maravilhas da Vida Moderna, lançado oficialmente nesta semana, é um pérola pop como há um tempo não se ouvia por aqui. O trabalho terá sua estreia em São Paulo no dia 6 de junho, no teatro do Itaú Cultural, com entrada gratuita e participações de Felipe Zancanaro (Apanhador Só), Carina Levitan e Tomás Oliveira (Mustache & Os Apaches).
A produção cirúrgica de Marcelo Fruet (também músico, à frente da banda Os Cozinheiros) soube colocar pingos nos is, aparar as arestas e deixar tudo “rebuscado”, como Fischmann mesmo definiu, ao jornal O Estado de S.Paulo, mas palatável o suficiente para ir direto para as rádios do País e se manter por lá.
“Nosso objetivo é mesmo que a nossa música seja ouvida pela maior quantidade de pessoas”, diz o músico, que assumiu a função de principal vocalista do grupo neste disco de estreia – posto, antes, dividido meio a meio com o guitarrista Diogo Brochmann. Não há um discurso indie-centrista, de fuga da popularidade e de um público amplo. “Esse tema é algo que falávamos bastante com Fruet, durante a produção do disco. Perguntávamos se estávamos sendo pop demais. Acho que o objetivo da produção era criar um pop que não tenha todas as características de um pop radiofônico, digamos, mas que consiga chegar às rádios.”
Criada ainda nos tempos de colégio, a Dingo Bells não teve pressa para chegar ao disco de estreia. Pelo contrário, se antes era levada na diversão e farra colegial, a banda passou por um período sabático na qual os integrantes moraram no exterior, por um ano. Reencontraram-se um ano depois e decidiram: “Foi então que conversamos: Vamos investir na banda? Vamos tocar em casas de Porto Alegre?”
Com os três de acordo, naquele ano de 2008, o Dingo Bells entrou em moto-contínuo. Em 2010, lançaram um EP com seis faixas. Três anos depois, veio a música Lobo do Mar, uma parceria com Hélio Flanders (vocalista do Vanguart). Quando surgiu Eu Vim Passear, o primeiro single de Maravilhas, neste ano, os blogs especializados já exclamavam pela maturidade mostrada pelo trio. As harmonias vocais dos três clareavam o refrão. São dois versos (“tanta gente buzinando que esqueceu de andar / veio ao mundo por engano, eu vim passear”) que indicavam quais seriam as reflexões do grupo neste disco de estreia: enquanto você está aí, perdido demais em banalidades irritantes da vida cotidiana, esses garotos estão aqui para curtir o melhor que a vida pode oferecer. Os três desconstroem o mundo sisudo com classe em canções como Dinossauros, Maria Certeza e Funcionário do Mês.
Curioso é que Maravilhas soa como um álbum urbano, quase como uma antologia de “causos” facilmente reconhecíveis por todos nós, urbanoides, mas nasceu justamente na distância da cidade e toda a algazarra cinza. Foi num sítio em Viamão (localizado a 25 quilômetros a oeste de Porto Alegre) que o disco de estreia do Dingo Bells começou a ser gestado – posteriormente, o processo de gravação foi completado no Estúdio 12 Experiência Sonora, na capital gaúcha.
É como se, para conseguir entender o mundo que estava ao redor dos três garotos, fosse necessário distanciar-se dele. Um olhar distante para um cotidiano costumeiramente tão próximo. “Faz sentido pensar desta forma. Chegar a esse ponto de analisar isso tudo de fora, sem a própria vida moderna da cidade”, diz Fischmann.
Em um disco no qual a metrópole contemporânea é o ponto de ligação entre cada história, cada personagem cantado ali, o protagonismo da mais melancólica faixa do trabalho, Anéis de Saturno, é o inevitável – e peculiarmente saboroso – canto dos grilos que habitam Viamão. São quatro minutos nos quais os insetos dividem os vocais com o trio. “É uma faixa que dá um respiro. É, tem um bucolismo, mesmo”, concorda Fischmann.