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Barroso: prender miúdos e proteger graúdos é a tradição que queremos superar

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), acompanhou entendimento do relator Edson Fachin para rejeitar a ação que pede que medidas cautelares impostas a parlamentares – como o afastamento do mandato – sejam revistas no Congresso.

Até agora são dois votos nesse sentido e um, o de Alexandre de Moraes, contrário. Durante seu voto, Barroso defendeu a decisão da 1ª Turma da Corte, da qual faz parte, que afastou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do cargo e impôs ao tucano o recolhimento domiciliar. Segundo o ministro, não há “uma gota” de ativismo judicial na decisão.

“O afastamento de um parlamentar não é uma medida banal, é excepcionalíssima. Como excepcionalíssimo deve ser o fato de um parlamentar usar o cargo para praticar crimes. Portanto exceção contrabalançada com exceção”, disse. “A ideia de que o judiciário não possa exercer seu poder cautelar para impedir um crime que está em curso é a negação do estado de direito, significa dizer que o crime é permitido para certas pessoas. Eu não gostaria de viver num país que fosse assim”, completou Barroso.

Ele defendeu que o Código de Processo Penal prevê a suspensão do exercício de função pública quando há justo receio de utilização para a prática de crimes.

Em uma das gravações da delação da J&F, Aécio negocia com o empresário Joesley Batista o recebimento de R$ 2 milhões. O dinheiro teria sido entregue a aliados do senador, em repasses de R$ 500 mil em espécie.

Sobre recolhimento noturno, Barroso defendeu que não se trata de prisão, pois não interfere na rotina do atingido. “Prisão é prisão. Quem já visitou uma sabe o que é. O que se impede como recolhimento domiciliar noturno é que se frequentem baladas, restaurantes, recepções, eventos festivos”, disse o ministro.

Ele apontou ainda que os outros denunciados pelo suposto recebimento de R$ 2 milhões por Aécio, inclusive a irmã do senador, foram presos. “Prender miúdos e proteger graúdos é a tradição brasileira que nós estamos fazendo força para superar”, afirmou.

Ao falar sobre o caso, Barroso afirmou que “no mundo lícito”, pagamentos de R$ 500 mil são feitos por cheque ou transferência bancária. “Ninguém circula por aí pela estrada levando R$ 500 mil”, afirmou o ministro. Segundo ele, à luz de uma “quantidade impressionante de elementos” a 1ª Turma decidiu restabelecer as medidas cautelares ao senador.

“Estávamos deixando de reverenciar um pacto oligárquico que se formou no Brasil de saque ao Estado, que envolve parte da classe política, parte da classe empresarial e parte da burocracia estatal. Era uma decisão que fazia parte do esforço que nos cabe de mudar o patamar ético do país com base na constituição, nas leis e no sentido mínimo de justiça de uma sociedade que não vive de compadrio”, afirmou o ministro.

O ministro disse que a regra geral é de que a decisão política deve ser tomada por quem tem voto. “A regra geral é de autocontenção, a exceção é de atuação mais expansiva. Mas aqui não estamos diante de uma questão que envolva jurisdição constitucional. Estamos em jurisdição penal ordinária”, afirmou Barroso. Segundo ele, no direito penal se impõe a observância estrita da lei. “O Código de Processo Penal prevê expressamente as cautelares. Aqui não há uma gota de ativismo judicial”, disse Barroso.

Demanda por integridade

“Há uma imensa demanda na sociedade brasileira por integridade, por patriotismo. Somos um País que se perdeu na história e está em busca de reencontrar seu próprio rumo. (…) Há lugar para todos na democracia. O que não se pode é ter um projeto de País fundado na desonestidade, no achaque, no desvio de dinheiro público”, afirmou o ministro.

Barroso considera que o País passou pela “naturalização das coisas erradas”, onde se criou uma cultura de desonestidade. “Aos poucos o errado passou a parecer certo e as pessoas, mesmo as que se supunham de bem, foram perdendo a consciência crítica. Criou-se uma legião de pessoas que acham normal viver com o dinheiro dos outros, dinheiro tomado do estado ou das empresas, gente que vive de achaque como se fosse salário. Para mudar essas práticas não há como ser condescendente com elas”, afirmou o ministro.

Barroso ainda apontou que não importa “para onde vai” o dinheiro desviado, mas sim “de onde vêm” esses recursos. “Cria-se, para arrecadar esse dinheiro, uma cultura de desonestidade. Uma cultura de que onde é possível desviar alguma coisa, desvia-se. Pior do que para onde vai o dinheiro é o que se faz para obtê-lo. O poder judiciário tem um papel decisivo para mudança de paradigma, dentro da Constituição, dentro da lei, sem punitivismo, sem vingadores”, disse.

Sentimento pessoal

Durante o julgamento, Barroso disse que gostaria de dizer em público que se encontrou com Aécio Neves quando foi indicado para compor o Supremo. Na época, segundo ele, o tucano o recebeu com “a maior cortesia”. Barroso também disse que recebeu o senador em seu gabinete, quando Aécio agiu da “forma mais republicana possível”.

Com relação ao senador, portanto, o ministro disse que “todos os sentimentos são bons”, mas enfatizou que “cumpre o seu dever” como magistrado.

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