Entre o rápido distanciamento das expectativas de inflação da meta e as críticas do governo ao choque de juros, o Banco Central escolheu seguir o plano de voo e manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano pela quarta vez seguida no Comitê de Política Monetária (Copom).
A decisão inaugural de 2023 era consenso no mercado diante da estratégia anunciada pelo Copom de estabilidade da taxa neste patamar por um período "suficientemente prolongado" e mantém a Selic no maior nível desde janeiro de 2017. Conforme pesquisa do Projeções Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, todas as 50 instituições financeiras consultadas esperavam a estabilidade dos juros básicos em 13,75% ao ano.
Ao justificar a decisão tomada nesta quarta-feira, 1º, o BC afirmou que a decisão "reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 e, em grau maior, de 2024". O BC avaliou ainda que, "sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego".
Apesar da autonomia formal do Banco Central, que mantém a mesma composição na diretoria do órgão, a autoridade monetária virou assunto rapidamente no começo do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Além das críticas do presidente e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aos juros elevados, houve também questionamento de Lula à necessidade da independência na lei e ao nível da meta de inflação.
Somados aos temores com a sustentabilidade fiscal, após a expansão de gastos de R$ 145 bilhões aprovada na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, as cutucadas do governo no BC provocaram um forte desvio das expectativas de inflação para 2023 e 2024, mas também para prazos de 2025 e 2026, fora do horizonte relevante do Copom.
No último Boletim Focus, a mediana era de 5,74% para 2023, acima do teto da meta de 4,75%, o que aponta para três anos seguidos de descumprimento pelo BC de seu mandato principal, após 2021 e 2022. Para 2024, a previsão de mercado é de 3,90%, mais alta do que o alvo central de 3,00%, mas aquém do limite superior de 4,50%. Para 2025 e 2026, a projeção estava em 3,50%. A meta para 2025 é de 3,00% e, para 2026, o objetivo inflacionário ainda não foi definido.
<b>Inflação</b>
No comunicado, o BC também atualizou suas próprias projeções para a inflação. No cenário de referência, que utiliza câmbio variando conforme a Paridade do Poder de Compra (PPC) e juros do Relatório de Mercado Focus, o BC alterou a projeção do IPCA de 2023 de 5,0% para 5,6%. Para 2024, que passou a ter mais peso no horizonte relevante, a atualização foi de 3,0% para 3,4%.
O BC ainda voltou a enfatizar o horizonte de seis trimestres à frente diante das incertezas sobre o impacto e a duração da atual política de desoneração tributária de combustíveis. Nesse horizonte, que hoje corresponde ao terceiro trimestre de 2024, a projeção para o IPCA em 12 meses está em 3,6%.
Nesse cenário, o BC considera ainda que o preço do petróleo deve seguir aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passar a aumentar 2% ao ano na sequência. Também adota a hipótese de bandeira tarifária "amarela" em dezembro de 2023 e de 2024.
<b>Juro real</b>
Mesmo com a estabilidade da taxa Selic pela quarta reunião consecutiva, o Brasil continua a ter a maior taxa de juro real (descontada a inflação) do mundo, em uma lista com 40 economias. Cálculos do site MoneYou e da Infinity Asset Management indicam que o juro real brasileiro está agora em 7,38% ao ano.
Em segundo lugar na lista que considera as economias mais relevantes, aparece o México (5,53%), seguido da Chile (4,71%). A média dos 40 países avaliados é de -2,07%.