Estadão

BC: preços de ativos e alta do crédito não representam preocupação no médio prazo

O Banco Central afirmou na ata do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), realizada na semana passada, que os preços dos ativos e o crescimento do crédito não representam preocupação no médio prazo, mas ponderou que há incertezas a serem acompanhadas. Segundo o comitê, desde a última reunião, em novembro, o crescimento do crédito desacelerou nas diversas modalidades e, na margem, as operações nas linhas de maior risco vêm sendo originadas com melhor qualidade de crédito. Mas, por outro lado, o BC reconheceu que o endividamento e o comprometimento de renda das famílias seguem elevados, e que a capacidade de pagamento de dívidas das empresas diminuiu.

Em relação às concessões, o BC afirmou que o apetite ao risco das IFs na concessão de crédito às famílias e às empresas de menor porte apresentou redução, porém permanece elevado, especialmente em linhas de maior risco, como cartão de crédito e crédito não-consignado. Com relação às empresas de menor porte, o comitê considerou que houve desaceleração no ritmo de crescimento do crédito, mas não se percebe alteração relevante nos critérios de concessão.

Nesse contexto, o comitê afirma que uma frustração substancial do desempenho da atividade econômica pode resultar em elevação do risco de crédito e segue recomendando que as instituições financeiras mantenham a prudência na política de gestão de crédito e de capital.

Em relação à situação atual do Sistema Financeiro Nacional (SFN), o colegiado citou ainda que o resultado dos testes de estresse demonstram que o sistema está resiliente. "Nos cenários de estresse macroeconômico avaliados, descritos no Relatório de Estabilidade Financeira, o sistema não apresentaria desenquadramentos relevantes", disse o BC na ata do Comef. "Teste de análise de sensibilidade verificou que mesmo que os ativos problemáticos dobrassem em relação a seus níveis atuais, o sistema não apresentaria desenquadramentos relevantes."

Mas a autarquia afirmou que a elevação da incerteza ampliou o impacto no sistema. Nesse caso, o impacto mais severo continua sendo o observado no cenário de quebra de confiança no regime fiscal.

Em relação aos níveis de capitalização e de liquidez, houve manutenção em níveis superiores aos requerimentos prudenciais, segundo o Comef. "O sistema tem mantido capital e ativos líquidos suficientes para absorver potenciais perdas em cenários estressados e cumprir a regulamentação vigente."

O comitê segue atento, contudo, à dinâmica de resgates das cadernetas de poupança e seus efeitos nas concessões de crédito imobiliário. "A rentabilidade do SFN recuou devido, sobretudo, ao aumento das despesas com provisões, e permanece pressionada por redução da margem de crédito, baixo crescimento das receitas de serviço e crescimento das despesas administrativas devido à inflação."

Por fim, o Comef afirmou que está atento à evolução dos cenários doméstico e internacional e segue preparado para atuar, minimizando eventual contaminação desproporcional sobre os preços dos ativos locais. "O Comitê segue entendendo que políticas macroeconômicas que aumentem a previsibilidade fiscal, que reduzam os prêmios de risco e a volatilidade dos ativos contribuem para a estabilidade financeira e, consequentemente, melhoram a capacidade de pagamento dos agentes."

<b>Cenário extremo com empresa de grande porte</b>

O Banco Central avaliou, na ata do Comef, que, mesmo em um cenário extremo, o impacto futuro do caso Americanas sobre o SFN é insignificante. No documento, o regulador não cita o nome da varejista, mas cita um "evento específico relacionado à empresa de grande porte".

"O Banco Central estimou o impacto potencial remanescente, acrescido de um cenário de contágio sobre toda a cadeia de produção e fornecimento que depende da empresa de forma relevante. Nesse cenário extremo, o impacto para o SFN consolidado é insignificante e não se verificaria desenquadramento de capital em qualquer instituição financeira", destacou na ata do Comef.

Segundo o comitê, parcela significativa das provisões realizadas nos balanços das instituições financeiras no último trimestre de 2022 decorreu desse "evento específico" e já absorveram a maior parte da materialização do risco. O Comef ainda considerou que as provisões por esse caso responderam por parte relevante do recuo anual da rentabilidade do SFN.

No documento, o colegiado considerou que o aumento das provisões foi condizente com a maior materialização do risco no período. Além dos casos pontuais com empresas de maior porte, o Comef citou o crescimento do crédito em modalidades mais arriscadas, o aumento do comprometimento de renda das famílias e a redução da capacidade de pagamento de micro e pequenas empresas para o avanço da materialização do risco.

"A materialização de risco deve permanecer elevada no médio prazo, mas critérios mais restritivos nas concessões recentes têm colaborado para arrefecer o crescimento dos ativos problemáticos no crédito às famílias."

Ainda sobre o caso Americanas, o BC disse também, sem citar o nome da empresa, que eventos pontuais em empresas de grande porte geraram uma deterioração nos preços de ativos no mercado de títulos privados.

Após o rombo bilionário da Americanas, veio a público outros casos de problemas em varejistas. "Em decorrência desses eventos pontuais, a volatilidade, os spreads e a aversão ao risco aumentaram. Também foram observados efeitos em algumas linhas no mercado de crédito."

O comitê disse que acompanha os desdobramentos dos "eventos recentes" sobre os prêmios de risco no mercado de capitais. Segundo o regulador, o Comef acompanha a evolução e os desdobramentos dos eventos recentes e segue pronto para atuar em caso de disfuncionalidade.

<b>Cenário global</b>

Também na ata da reunião do Comef, o Banco Central afirmou que o cenário global apresentou acomodação desde o encontro anterior, em novembro, mas ponderou que houve alguma reversão em fevereiro. "O processo de desinflação global segue desafiador e os dados recentes de atividade consolidam um cenário global de aperto monetário mais prolongado", disse o BC, no documento.

Segundo o regulador, a possibilidade de mudanças mais abruptas na condução da política monetária aumenta o risco de materialização de cenários extremos de reprecificação de ativos financeiros. "A frustração das expectativas de queda da inflação nas economias centrais eleva a incerteza sobre os cenários prospectivos, acentuando a volatilidade nos mercados e propiciando a ocorrência de eventos de estresse, com implicações globais."

Em relação aos emergentes, contudo, o Comef considerou, que, até o momento, têm mostrado resiliência diante do forte aperto das condições financeiras observado desde o final de 2021. Mas o comitê ponderou que os elevados níveis de endividamento público resultantes dos esforços de combate aos efeitos da pandemia de covid-19 sobre a economia são um fator de vulnerabilidade. "A transparência, previsibilidade e credibilidade na condução das políticas monetária, fiscal e macroprudencial são essenciais para mitigar os riscos sistêmicos."

Em relação aos bancos globais, o Comef afirmou que os de maior importância sistêmica continuam elevando provisões. Segundo o comitê, a expectativa de menor crescimento, as altas taxas de juros e a persistência da inflação em níveis elevados têm resultado em perdas de renda real, pressionando a capacidade de pagamento de dívida das famílias. "Em algumas jurisdições, essa questão ganha mais relevância pela predominância de hipotecas com taxas de juros reajustáveis, que em cenários de elevação de juros reduz a capacidade de pagamento dos devedores, aumentando os riscos de crises no setor imobiliário, com potencial impacto sistêmico", avaliou.

Contudo, o colegiado afirmou que não se observa ainda deterioração relevante nas carteiras de crédito dos bancos, e que os bancos centrais das economias sistemicamente importantes reiteram que suas instituições financeiras estão preparadas para enfrentar eventual materialização de cenários adversos. "De forma preventiva, diante do cenário de persistência de riscos financeiros globais e incertezas econômicas domésticas, várias jurisdições mantiveram ou aumentaram seus buffers contracíclicos de capital."

<b>Decisão da semana passada</b>

Na semana passada, o Comef manteve o Adicional Contracíclico de Capital Principal relativo ao Brasil (ACCPBrasil) em zero. O ACCPBrasil é uma parcela do capital a ser acumulada na expansão do ciclo de crédito e consumida em sua contração.

O instrumento trata o risco sistêmico cíclico do crédito e dos preços dos ativos. A próxima reunião ordinária do Comef ocorre nos dias 23 e 24 de maio.

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