Sob a artilharia do governo ao aumento dos juros, e seus impactos sobre a atividade e investimentos, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, prometeu nesta quarta-feira, 5, perseguir a meta de inflação com o menor custo possível.
"O Banco Central vai trabalhar para a inflação ir à meta com o mínimo de custo para a sociedade", disse Campos Neto durante almoço com empresários promovido pelo grupo Esfera.
Ele defendeu durante o evento que os ganhos institucionais do BC, após a aprovação da autonomia, não só continuem como sejam intensificados. Campos Neto também defendeu durante o evento o caráter técnico das decisões do Comitê de Política Monetária (Copom).
Nesse ponto, sustentou que o processo do Copom não é centralizado, apesar do consenso normalmente transmitido em suas comunicações. "Mudamos os textos do Copom para que todos os diretores se sintam representados", assinalou.
<b>Custo</b>
O presidente do Banco Central voltou a defender que, apesar dos efeitos de curto prazo do aperto monetário no crescimento, o País pagará uma conta ainda mais alta se não enfrentar a inflação.
"O custo de combater a inflação é alto no curto prazo, mas não combater tem custo mais alto", disse Campos Neto no evento do grupo Esfera, onde ouviu queixas sobre a inviabilidade de investimentos frente ao patamar de juros atual. "Nenhum banco central quer ter juros altos, claro que queremos juros baixos", acrescentou o presidente do BC.
Ele observou que períodos de inflação de dois dígitos no Brasil costumam ser seguidos por recessão, e citou Argentina e Turquia como exemplos de países onde a inflação elevada resultou em aumento da desigualdade a "passos largos".
Campos Neto reiterou que o BC, olhando à frente, tenta suavizar o ciclo "o máximo possível". "Queremos fazer isso combater a inflação com o mínimo de dano à economia."
Ele disse que a inflação muito alta cria mecanismos de indexação que aumentam o custo da desinflação. "A inflação é um imposto maligno que incide muito mais sobre quem tem menos recursos", sustentou Campos Neto, que mais uma vez rebateu as avaliações de que a inflação seria decorrência apenas de um choque de oferta. " O consenso entre os bancos centrais é de que existe componente de demanda", assinalou.
<b>Momentos com juros mais baixos</b>
O presidente do BC associou nesta quarta juros baixos ao controle das contas públicas. Durante o almoço com empresários promovido pelo grupo Esfera, ele lembrou que o País conseguiu viver com juros mais baixos quando teve uma âncora fiscal forte.
Pontuou também que a taxa de juros no Brasil, a maior do mundo em termos reais, é um problema e merece explicações não apenas da autoridade monetária, mas também do governo e da sociedade.
"Precisamos dar explicações, e não ficar apontando o dedo", afirmou Campos Neto. "A taxa é alta, precisamos trabalhar para baixar", cobrou. "Não é verdade que a taxa de juros real do Brasil seja o dobro da do México. É um pouquinho maior", brincou o presidente do BC.
Apesar disso, ele ponderou que a taxa real no Brasil está mais baixa do que a média dos últimos 15 anos.
<b>Alta participação de crédito direcionado</b>
O presidente do Banco Central citou ainda a alta participação do crédito direcionado, concedido pelos bancos públicos, entre os motivos por trás dos juros mais altos no Brasil.
O País, conforme observou Campos Neto, tem o dobro de crédito direcionado do que o segundo país com maior volume de operações desta categoria de financiamento. Essa situação força a autoridade monetária a fixar a taxa básica em patamar mais alto, já que os juros do crédito direcionado são menos sensíveis às elevações da Selic.
Num ambiente de crédito mais livre, sustentou Campos Neto, a política monetária teria maior potência, permitindo juros mais baixos. "Quando tem muito crédito subsidiado, precisamos de juros mais altos", justificou o presidente do BC, embora tenha considerado "meritórias" soluções de crédito subsidiado para vários projetos no curto prazo.
Ele usou a figura de um tubo de pasta de dente para ilustrar a situação. Se um lado do tubo está imobilizado, é preciso aumentar a pressão do outro lado – ou seja, da dosagem de aperto monetário. "No longo prazo, se quero dar subsídio para todo mundo, os juros serão mais altos."
Segundo Campos Neto, a redução de depósitos compulsórios e o crescimento dos financiamentos pelo mercado de capitais dependem de mais crédito livre. Assim, a solução para o Brasil ter juros mais baixos depende não apenas do BC, mas também do Ministério da Fazenda e do Congresso.
<b>Autonomia</b>
O presidente do Banco Central disse ainda que a autonomia desassocia a autuação da autoridade monetária do ciclo político. Ele considerou saudável o governo, e o próprio presidente da autarquia, ter menor poder sobre a direção do BC.
"Não podemos personificar o Banco Central em uma pessoa", disse Campos Neto durante a palestra no almoço do grupo Esfera, onde considerou que o BC está ganhando autonomia e institucionalidade. "Estamos em ciclo independente do ciclo político, por isso a autonomia foi aprovada", acrescentou.
O presidente do BC entende que o poder do governo sobre a autarquia será cada vez menor. "Eu também terei cada vez menos poder em relação ao BC, isso é saudável", assinalou Campos Neto, apontando que essa nova realidade permite com que mudanças de direção do Banco Central aconteçam sem rupturas.
<b>Reforma administrativa</b>
Após o governo atual se comprometer com os servidores federais com a retirada da proposta de reforma administrativa enviada ao Congresso na gestão de Jair Bolsonaro, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu também nesta quarta a reforma como uma forma de reduzir o gasto obrigatório.
"A reforma administrativa é uma forma de endereçar melhorias na despesa obrigatória. Vários governos fizeram uma reforma administrativa e cortaram despesas obrigatórias de forma relevante", afirmou Campos Neto.
Ele citou exemplos de reformas em paralelo com a digitalização em massa de serviços públicos feitas pelo governo da Índia e pela prefeitura de Londres.
O presidente do BC inclusive defendeu que haja no futuro um ministério que coordene a digitalização dos serviços do governo, como já começa a acontecer em outros países.
Questionado pelos executivos sobre qual legado pretende deixar no BC após o seu mandato, que se encerra no fim de 2024, Campos Neto respondeu que gostaria de deixar um legado para a instituição em não de sua pessoa. "Queria que pessoas olhassem BC e vissem influência positiva na vida delas", acrescentou.