Não surpreende, portanto, que Benedita da Silva tenha nascido na favela da Praia do Pinto. Situação de adversidade reconstituída pela jornalista Adriana Barsotti, em matéria de cunho biográfico publicada pela Isto É Gente.
Benedita é filha da lavadeira Maria da Conceição Sousa da Silva. Foi concebida numa aventura amorosa extraconjugal da mãe. Traição que, no entanto, não impediu a adoção dela como filha pelo marido traído de sua mãe, o pedreiro e lavador de carro José Tobias da Silva. Benedita teve 14 irmãos. Só conheceu oito. Ainda na infância, viu uma das suas irmãs, se prostituir. Tinha 7 anos e teve de trabalhar, fazendo pequenos biscates. Sua primeira boneca ganhou num sorteio de objetos doados pela família Kubitschek, para a qual a mãe lavava roupa. Aos 16 anos, Benedita se casou com um pintor de parede – Nilton. E, com ele, teve três filhos. Somente a do meio, Nilcéa, sobreviveu. O primogênito morreu de infecção no cordão umbilical. Tinha 8 dias de idade. O caçula viveu menos. Dois dias. Por falta de recursos, foi enterrado como indigente.
Este passado sofrido só começou a ficar distante de Benedita quando ela tinha 40 anos, e, foi eleita vereadora, pelo eleitorado carioca formado por integrantes de movimentos de favela, de negros e de mulheres pobres. Foi também quando ela concluiu seu curso de Serviço Social, depois de trabalhar como faxineira.
Nos doze anos seguintes, Benedita se manteve nos mais altos cargos ocupados, até então, por uma afro-brasileira, na História do Brasil. Deputada federal constituinte, reeleita. Em seguida, senadora. E, em 1998, vice-governadora do Rio de Janeiro.
Por longos anos, ela havia suportado um sentimento de abandono que, talvez, tenha sido aliviado, de algum modo, por Gilberto Gil. Pois, é certo que este sentimento emergiu nela, novamente, há quatro anos, quando recebeu notícia da morte dele. Gil, ela sabia, atravessava fase de grande fragilidade física. Em pânico, Benedita desabafou numa mensagem postada na internet: “”Brasil perde uma de suas maiores expressões no mundo cultural, intelectual e político. Gilberto Gil incomparável, nosso Adeus”. Vinte minutos, depois, no entanto, ficou claro para Benedita que se tratava de um boato. Tomada de alegria, ela até esqueceu da perversidade de quem tinha inventado a maldade. Escreveu, em outra mensagem: “Acabo de saber que, felizmente, Gil continua vivíssimo. Louvo a Deus e nem vou brigar com o irresponsável que inventou a morte de Gil”.
Esta mesma alegria por Gil estar vivo é desfrutada por quem tenha amor à nosso povo, inclusive e sobretudo, à parcela dele, na qual começou a história de Benedita. E é tão forte que, há poucos dias reuniu 53 artistas populares, para celebrarem, juntos, num vídeo os 78 anos de Gil. Gentileza, logo depois, retribuída por Gil, com sua voz prejudicada pela idade e pelas doenças, através de uma live elogiadíssima cuja renda ele destinou aos colegas de palco desempregados pela pandemia do coronavirus.
(Ilustração: Gil, no anos 60)