Quem leu a mensagem do Papa na qual ele justifica a decisão de renunciar a seu cargo alegando que não tem mais condições fìsicas para administrar a Igreja deve ter se lembrado de dois episódios recentes que, certamente, tornaram muito pesada a continuidade de seu papado. O da revelação de uma série aparentemente interminável de casos de pedofilia praticada por padres em diversos países. E o da divulgação das cartas do arcebispo Carlo Maria Viganò, nas quais este religioso, que ocupou por dois anos o segundo cargo mais importante na administração interna do Vaticano, denunciou ao próprio Bento XVI e a seu Secretário de Estado, a existência de corrupção, clientelismo e favorecimentos suspeitos entre autoridades católicas.
Mas, além destas, outras fontes de preocupação atormentaram o Papa, como revelou o jornalista português Antonio Marujo, numa matéria publicada pelo jornal Público. Uma criada pela atuação do Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcísio Bertone, “acusado por vários dos seus pares de incapacidade de gestão, de viajar demasiado e de não saber tratar sequer com polidez os seus interlocutores”, escreveu Marujo.
“A Cúria Romana tornou-se um monstro ingovernável que o próprio Papa, de perfil sobretudo intelectual e acadêmico, já não consegue controlar”, resumiu o jornalista.
Fora da esfera do Vaticano, o panorama da Igreja, já muito abalada pelos escândalos sexuais, não tornou menos penosa a administração de Bento XVI. Marujo lembrou das ameaças de desmembramento sustentadas pelo católicos tradicionalistas de língua alemã, assim como de outros desentendimentos surgidos na França e na Áustria que ameaçam igualmente a unidade da instituição.
Atualmente, as peças que compõem a estrutura da milenar da Igreja parecem coladas com cuspe, escreveu o jornalista. Algo totalmente incompatível que a constituição física do Papa, que “tem, desde há anos, uma situação cardíaca delicada”, ele acrescentou.
No Vaticano, vive-se num ambiente de final de pontificado, assegurou, por fim, Marujo, em outro trecho do seu texto.
Esta matéria não tem só o mérito de um trabalho jornalístico capaz de contribuir, hoje, para o esclarecimento da opinião pública, dentro e fora da Igreja. Tem um mérito maior. Porque ela foi publicada mais de 250 dias antes da renúncia do Papa, no dia 15 abril do ano passado. Constitui-se, portanto, numa valiosa demonstração de um poder que o Jornalismo tem, mas, infelizmente, exibe poucas vezes: o de antecipar fatos. Uma proeza reservada somente ao repórter que exerce seu ofício apoiado em fontes de informações seguras e bem situadas.