Filho de ator – Bernard Blier -, Bertrand admite que a influência do pai foi decisiva para ele. “Mesmo quando não estávamos de acordo, ele me estimulava a brigar por minhas convicções. E, sendo grande como era, desenvolveu em mim o amor pelos atores.”
Bertrand Blier faz essas confissões numa entrevista por telefone, de Paris. Conversa com o repórter por causa da retrospectiva de sua obra, que começa nesta quarta, 14, na Caixa Cultural. Bertrand Blier e a Comédia da Provocação. Não é todo o autor – “Não tem Hitler Connais Pas, meu primeiro filme, que é muito dialogado e não encontramos nenhuma cópia com boas legendas em inglês, nem algum outro que não me agrada e pedi que tirassem” -, mas oferece um panorama bastante amplo sobre o que é o cinema para ele.
São 15 longas. Bertrand estourou no quarto filme, Les Valseuses, de 1973, lançado no Brasil como Corações Loucos. A muitos críticos, na época, fez lembrar – pelo teor transgressivo – A Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Jovens e belos – Gerard Depardieu, Patrick Dewaere, Miou-Miou. Nus em cena, confrontados com a violência do mundo e o retrato de uma sociedade repressora contra a qual o cineasta investia com fúria. Que lembranças Bertrand Blier guarda desse momento particular de sua vida e carreira? “Mil e uma lembranças. Na verdade, poderia escrever um livro sobre a rodagem de Les Valseuses, que foi muito dura. Não tínhamos dinheiro, apenas a vontade de colocar na tela o espírito iconoclasta de Maio de 68. Gerard e Patrick não interpretavam os papéis. Ficavam nus o tempo todo ou então usavam a mesma roupa, exatamente como os personagens, que assumiram. Eram irritantes como eles, mas havia uma energia naquele set. Um desejo de sinceridade. Todo o mundo na mesma vibe.”
Antes de ser filme, Corações Loucos foi um romance – do próprio Bertrand Blier. Anos mais tarde, com Beau-Père/A Filha de Minha Mulher, de 1981, ele repetiu a experiência – outro filme adaptado de um romance que havia escrito. Mas, dessa vez, as lembranças não são tão boas. “Tenho plena consciência de que é um dos meus fracassos. Errei na mise-en-scène. Era um filme que pedia simplicidade e eu o fiz muito rebuscado, uma sofisticação que não servia ao material e não levou a nada.” Há sete anos sem dirigir – desde Le Bruit des Glaçons, de 2010 -, queixa-se da dificuldade para montar seus projetos. “Gosto de temas bizarros que desconcertam as pessoas, e os produtores”, explica. O jejum de filmar, ao que tudo indica, está para terminar. Bertrand trabalha atualmente em dois projetos, e por isso não virá ao Brasil para a retrospectiva. Espera rodar, no que vem, Existe en Blanc, o terceiro filme adaptado de um romance de sua lavra – um noir, sobre serial killer que mata mulheres de sutiã (soutiens-gorge, em francês).
Inconformista – é o adjetivo mais usado para definir o cinema de Bertrand Blier. Isso, às vezes, dificulta o reconhecimento, mas ele não pode se queixar da falta de prêmios. Ganhou o Oscar de filme estrangeiro por Preparez Vos Mouchoirs, de 1978; o César, o Oscar francês, de melhor filme, direção e roteiro por Bela Demais para Você, de 1989; o Grand Prix do júri de Cannes pelo mesmo filme; e o Grande Prêmio Europeu no Festival de Veneza de 1993, por Um, Dois, Três… Sol. Jura que nunca filmou para ganhar prêmios – prefere o favor do público, que nem sempre teve -, mas admite que são agradáveis. “Servem para brindar com champanhe.” Muitas vezes, sente-se mais escritor que cineasta – escreveu o roteiro de todos os seus filmes. Por isso mesmo, não vacila. O que é mais importante em seu cinema? “É a écriture, a escrita”, responde.
MOSTRA BERTRAND BLIER
Caixa Belas Artes. Rua da Consolação, 2.423, tel. 2894-5781.
R$ 10. Diariamente, 16h e 18h30 (sáb. também 23h30). Até 28/6.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.