O horror particular vivido por Kattrin, filha de Mãe Coragem, garante que a personagem muda seja a grande heroína do espetáculo em cartaz no Sesc Pompeia. Para Bete Coelho que interpreta a brava Anna Fierling, a menina “a quem a voz foi tirada” é simbólica em seu silêncio. “Quando olhamos o trabalho de um ator, consideramos as falas. A personagem de Luiza Curvo precisa de muito mais que palavras para expressar o que sente naquele ambiente hostil.”
A atriz considera que a desigualdade imposta a todos os personagens se aprofunda na incapacidade da jovem de se comunicar. “Nos dias de hoje, vejo como é importante os movimentos de afirmação das mulheres, dos negros e da diversidade sexual. É uma forma de encontrar voz e expressão, e também descobrir a contradição presente na liberdade.”
Não só no silêncio de Kattrin, mas a montagem com tradução de Marcos Renaux e direção de Daniela Thomas encontrou desafios na transposição da peça alemã. As canções propostas por Brecht seguem o mesmo estilo – estranho – da narrativa. Para Bete, o trabalho da direção musical de Felipe Antunes foi de abrir clareiras. “Não há rimas nem nada que nos ajude a fixar, é como se a música acompanhasse o arrastar da carroça pelo campo de guerra.”
Observar o fenômeno criado pelo autor alemão não significa que Mãe Coragem mereça uma medalha de resistência por serviços prestados na guerra. A crítica do autor revela os interesses baixos do governo, da religião, dos militares e da própria família. No fundo, o humano, qualquer que seja, está a patinar no lamaçal. “O impulso pela sobrevivência é revelador”, afirma a atriz. “Essa matéria da qual somos feitos nem sempre transcendental é muitas vezes ordinária e mesquinha. Mãe Coragem vai perdendo os filhos, um por um, enquanto tenta lucrar com aquela carroça velha.”
Na desolação, ninguém é poupado de ouvir algumas duras verdades, Anna Fierling é chamada de “hiena do campo de batalha” mas ela também critica o oportunismo do capelão e seus conchavos com o general. Quando a prostituta Yvette casa-se com um decrépito general, e mais tarde surge orgulhosa e elegante em seu vestido de luto, Mãe Coragem alfineta: “Pelo menos você não está mal: já é alguém a quem a guerra faz bem”.
Não é a primeira vez que Bete e Daniela colaboram na cena. Em Pentesileias, a atriz dirigiu e também atuou na adaptação de Daniela. Mãe Coragem é a segunda direção de Daniela, que estreou Da Gaivota, com Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.
No projeto brechtiano idealizado por Bete e pelo cenógrafo Cássio Brasil, Daniela vê Mãe Coragem como uma obra-presente a grandes atrizes. No Brasil, a personagem já foi vivida por Lélia Abramo, na primeira montagem nacional, em 1960. Maria Alice Vergueiro foi dirigida por Sergio Ferrara em 2002 e, em 2008, foi a vez de Louise Cardoso, na montagem da Armazém Cia de Teatro, com Patricia Selonk no papel de Kattrin. “É grandioso que temos atrizes brasileiras com repertório para uma peça como essa.”
MÃE CORAGEM
Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93. Tel.: 3871-7700. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª,
sáb., 20h30, dom., 18h30.
R$ 40 / R$ 20. Até 21/7.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.