Mundo das Palavras

Bethânia narra o dia de sua prisão

Quando o poeta Reynaldo Jardim, o autor de “Maria Bethânia, Guerreira, Guerrilha”, morreu, em 2011, ele já havia preparado um texto para ser incluído na segunda edição de sua obra, lançada, logo depois, naquele ano. Neste texto, Jardim descreveu as circunstâncias nas quais conheceu a cantora, tema de seu poema, 43 anos antes. E, o que ocorreu, em seguida. Jardim escreveu: “Teatro Opinião. Rio de Janeiro, 1968. Bethânia no palco substituindo Nara Leão. Ninguém a conhecia. Chegara da Bahia trazida por Vianinha. Aquela quase menina, na arena do Opinião, parecia, pela potência dramática, postura corporal, força emotiva, uma deusa-mulher adultamente deslumbrante e sedutora. Quando acabou de cantar Carcará, a plateia entrou em delírio. A baianinha tornara- se a musa de toda uma geração romântica, audaciosa e revolucionária. Em uma das apresentações, subi ao palco e li o início de um poema que escrevi em sua homenagem. Posteriormente desenvolvi o tema e nasceu o polifônico ‘Maria Bethânia Guerreira Guerrilha’. Era véspera do AI -5. Com a publicação do livro, considerado justamente subversivo, fui processado. E deixei minha musa em uma posição muito delicada. A edição foi apreendida, retirada das livrarias. Minha casa, invadida”.
 
Em 1992, numa entrevista à Marília Gabriela, Bethânia falou daquela  “posição muito delicada”, mencionada por Jardim, enfrentada aos 22 anos de idade, quando também pousou para a foto postada junto com este texto. Ela disse:  “O período da Ditadura Militar foi terrível. Duas horas da manhã, eles invadiram minha casa. Me levaram para um quartel, depois de rodarem por muitas horas. Fui interrogada até amanhecer. Já tinham presos Caetano e Gil, em São Paulo. Achavam que eu sabia do Vandré. Me prenderam por conta de um livro, escrito em minha homenagem, por Reynaldo Jardim. Eles queriam saber por que este cara escreveu este livro para mim. O livro é um poema lindo. Um gesto de amor. E Reynaldo já tinha sido preso. Eles me mostraram o depoimento dele. Que coincidia com o que eu dizia. Sou uma mulher de palco. Ele, um intelectual, poeta. Quis escrever um poema. E foi publicado. Depois, proibido”.
 
Bethânia ainda lembrou: “Aquele foi um período horrível. Caetano e meus amigos, exilados. E, pela dificuldade de ele sobreviver ao exílio, por causa de sua sensibilidade diante da maneira grosseira como isto tudo aconteceu, eu sentia uma dor muito grande. Sofri demais. Meu pai se acabou, neste período. Eu fiquei no Brasil. E a maneira que eu tinha de manter o meu trabalho era receber as canções que eles faziam no exílio. Não só Caetano, mas também os amigos. Aqui, eu cantava para dar alguma notícia deles, mantendo um sentimento por eles. Mas foi o período mais triste que passei em minha vida. Foi horrível. Caetano sofreu demais também”
 
 
 

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