O presidente dos EUA, Joe Biden, abriu ontem sua cúpula virtual em defesa da democracia. Durante dois dias, líderes de 110 países apresentarão propostas para defender os valores democráticos. Mas a história da conferência vai além da foto de Biden diante de um telão ocupado por dezenas de chefes de governo. Como pano de fundo estão os dois grandes ausentes: Rússia e China, que ameaçam a integridade e a autonomia de Ucrânia e Taiwan.
"Eles buscam expandir seu próprio poder, exportar e ampliar sua influência ao redor do mundo, justificando as políticas repressivas como uma forma mais eficiente de enfrentar os desafios de hoje", disse Biden, sem citar diretamente russos e chineses. "Estamos em um ponto de inflexão na história. As escolhas que fizermos neste momento determinarão a direção que nosso mundo tomará nas próximas décadas."
Os EUA assumiram um compromisso de ajudar na defesa de Ucrânia e Taiwan. O fornecimento de armas para os taiwaneses está previsto em uma lei de 1979. O apoio aos ucranianos foi aprovado pelo Congresso em 2014, depois que a Rússia anexou a Crimeia e provocou uma guerra civil separatista nas regiões de Donetsk e Luhansk, na bacia do Rio Donets.
Com relação à China, a missão da política externa americana é conter os arroubos expansionistas do presidente Xi Jinping, que já prometeu concluir a reunificação com a ilha e vem promovendo incursões contra as defesas aéreas taiwanesas, aumentando a tensão no leste da Ásia.
<b>Ucrânia</b>
A crise na Ucrânia tem um contexto parecido. O maior pesadelo do presidente russo, Vladimir Putin, é ver a Otan expandir sua influência pelas ex-repúblicas soviéticas. O Kremlin estaria em busca de alguma garantia de neutralidade dos ucranianos, evitando a adesão do país à aliança militar ocidental e o envio de armas que alterem o atual equilíbrio de forças.
"Moscou está usando a pressão como ferramenta de negociação para impedir a Otan de se expandir para o leste", disse Liana Semchuk, pesquisadora da Universidade de Oxford. "O limite imposto pela Rússia implica garantias ocidentais de não enviar tropas e armas à Ucrânia, o que equivale a admitir que o país é uma área de influência exclusiva da Rússia", afirmou Pavel Luzin, analista da Jamestown Foundation.
"Fabricar uma crise para depois exigir concessões do Ocidente é uma técnica usada e aprovada por regimes comunistas e ditadores agressivos", escreveu Joseph Bosco, analista do Global Taiwan Institute, em artigo no jornal The Hill. "Com uma forte advertência à China e à Rússia, na semana passada, Biden estabeleceu o tom certo para a cúpula da democracia."
<b>Massacre</b>
Ontem, militares ucranianos disseram que uma invasão russa seria um massacre. "Temos de ser objetivos", afirmou o general Kyrylo Budanov, chefe do serviço de inteligência da Ucrânia. "Não temos recursos militares suficientes para repelir um ataque em grande escala da Rússia sem o apoio de forças ocidentais." Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, fez um apelo durante a cúpula. "A democracia não vem de graça, ela tem de ser conquistada."
Biden já descartou a possibilidade de agir sozinho e vem buscando apoio da Otan para encontrar uma forma de acomodação com Putin, que teria capacidade de mobilizar 175 mil homens na fronteira. A simples possibilidade de um acordo, porém, provoca pânico em governos do Leste Europeu. "Espero estar errado, mas sinto o cheiro de Munique", disse Marko Mihkelson, chefe da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento da Estônia, em referência ao acordo de 1938 para evitar um conflito com a Alemanha nazista.
Na manga, Biden tem alguns curingas. Nos bastidores, americanos e europeus trabalham em sanções conjuntas em caso de invasão. Os EUA pressionam o novo governo alemão, liderado por Olaf Scholz, para interromper a operação do gasoduto Nord Stream 2, que fornecerá gás da Rússia para a Europa.
Mas a pressão pode causar a primeira crise na coalizão. Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores, é simpática à ideia americana. Líder do Partido Verde, ela sempre se opôs ao Nord Stream 2. O problema é que o chanceler Scholz ainda resiste. A região de Mecklenburg-Vorpommern, reduto de seu Partido Social-Democrata, seria uma das maiores beneficiadas pelo gasoduto. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>