O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abriu seu discurso na 77ª Assembleia Geral da ONU nesta quarta-feira, 21, acusando a Rússia de violar a Carta das Nações Unidas ao invadir a Ucrânia. O discurso do americano veio poucas horas depois de o presidente russo, Vladimir Putin, anunciar a maior mobilização nacional desde a 2ª guerra e ameaçar os aliados da Ucrânia com um ataque nuclear.
"Vamos falar claramente. Um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas invadiu seu vizinho, tentou apagar um estado soberano do mapa", o presidente começou dizendo. "A Rússia violou descaradamente os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas". Por ser um membro permanente do Conselho de Segurança, a Rússia tem poder de veto em qualquer decisão que os demais países tomarem sobre a Ucrânia.
Ao acusar Putin de violar a carta base de formação da ONU, Biden convocou todas as nações, sejam democracias ou autocracias, a se manifestarem contra a "guerra brutal e desnecessária" da Rússia e a reforçar o esforço da Ucrânia para se defender.
"O presidente Putin fez ameaças nucleares abertas contra a Europa e um desrespeito imprudente pelas responsabilidades de um regime de não-proliferação nuclear. Agora a Rússia está convocando mais soldados para se juntar à luta, e o Kremlin está organizando um referendo falso para tentar anexar partes da Ucrânia – uma violação extremamente significativa da carta da ONU", disse.
Biden se refere às regiões controladas pela Rússia no leste e sul da Ucrânia que anunciaram na última terça-feira, 20, planos para realizar referendos apoiados pelo Kremllin nos próximos dias para se tornar parte da Rússia e quando Moscou está perdendo terreno na invasão. O presidente Vladimir Putin anunciou nesta quarta uma mobilização parcial para convocar 300.000 reservistas e acusou o Ocidente de se envolver em "chantagem nuclear".
Biden voltou a apontar a guerra na Ucrânia como consequência das decisões de Vladimir Putin apenas. "A Rússia disse que foi ameaçada. Ninguém ameaçou a Rússia e ninguém além da Rússia buscou conflito".
<b> Isso não é um blefe </b>
Em pronunciamento televisionado, o presidente russo Vladimir Putin ordenou nesta quarta-feira, 21, a primeira mobilização nacional do país desde a 2ª Guerra. No anúncio, ele alerta o Ocidente que, se a "chantagem nuclear" continuar, Moscou responderia com todo o seu vasto arsenal atômico.
A medida prevê a mobilização de até 300 mil reservistas para lutar na Guerra da Ucrânia, evidenciando as dificuldades que a Rússia enfrenta em sua invasão do país, com as retomadas de território pelas forças ucranianas e a dificuldade dos russos em tomar Kiev e derrubar o governo do presidente Volodmir Zelenski.
No pronunciamento pré-gravado transmitido na TV, Putin disse também que irá proteger as populações de território ocupados que pretende anexar após referendos a serem feitos em quatro regiões ucranianas no leste e no sul do país a partir de sexta, e que está disposto fazer isso com armas nucleares contra os EUA e aliados que apoiam Kiev.
"Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, usaremos todos os meios disponíveis para proteger nosso povo – isso não é um blefe", disse Putin. Segundo ele, a Rússia enfrenta "1.000 km de linhas de frente contra o Ocidente na Ucrânia" – referência à ajuda de bilhões de dólares em armas e inteligência fornecidas à Kiev por EUA e outros países do Ocidente. "Na sua política agressiva antirrussa, o Ocidente cruzou todas as linhas", disse Putin.
A medida ocorre um dia depois de quatro regiões controladas por Moscou no leste e no sul da Ucrânia anunciarem que farão referendos para se integrar à Rússia. As duas regiões separatistas do Donbas, Donetsk e Luhansk, junto com Kherson e Zaporizhzia pretendem conduzir as votações ainda nesta semana em um ato que busca impedir as investidas ucranianas para retomar essas áreas.
Na prática, caso a população aprove a anexação, Moscou passaria a considerar as quatro regiões como parte de seu próprio território, tornando uma agressão ucraniana a essas áreas um ataque à nação russa, e propícia a retaliações inclusive com armas nucleares – a doutrina nuclear russa prevê o uso da bomba em caso de ataques.
Os esforços podem preparar o terreno para Moscou intensificar a guerra contra as forças ucranianas que lutam com sucesso para recuperar essas áreas, principalmente em Luhansk.
Os anúncios de referendos ocorrem depois de um aliado próximo do presidente russo dizer que a votação era necessária, já que Moscou perde terreno na guerra que começou há quase sete meses. O ex-presidente russo Dmitri Medvedev disse que dobrar as regiões para dentro da própria Rússia tornaria as fronteiras redesenhadas irreversíveis e permitiria a Moscou usar qualquer meio para defendê-las.
"Invadir o território russo é um crime que permite que você use todas as forças de autodefesa. É por isso que esses referendos são tão temidos em Kiev e no Ocidente", disse Medvedev em um post no <i>Telegram</i>, onde acrescentou que tal ato não poderia ser revertido constitucionalmente por futuros líderes da Rússia.
No pronunciamento, o presidente russo acusou o Ocidente de ultrapassar todos os limites de agressão à Rússia e que o apoio ocidental às forças da Ucrânia é uma forma de transformar o povo ucraniano em "bucha de canhão" e impedir a paz entre os países.
Dentre as medidas anunciadas, estão o financiamento da produção de armas e conferir status legal aos voluntários combatendo no Donbass. Os eventos de mobilização militar devem começar ainda nesta quarta.
O presidente afirmou que o objetivo era "libertar" a região do Donbas, no leste da Ucrânia, e que a maioria das pessoas na região não queria retornar ao que ele chamou de "jugo" da Ucrânia. Ele disse ainda apoiar as pessoas que propõem referendos nas áreas sob controle russo sobre a possibilidade de anexação dos territórios.
Em anúncios anteriores de referendos em regiões como Melitopol, o Ocidente e a Ucrânia afirmaram que não reconheceriam a anexação. Mas é improvável que os países ocidentais permitam o uso de seus equipamentos militares para atacar uma região que a Rússia considera sua. Uma das condições para que os aliados da Otan enviassem armamentos pesados para Kiev era o de não utilizar contra territórios russos – já que Moscou poderia considerar isso um ato de agressão da Otan e envolver os países na guerra.
<b>Pânico da Rússia</b>
O agendamento das votações desta semana ocorreu depois que as forças ucranianas derrotaram os russos do nordeste nas últimas semanas e estão na ofensiva no leste e no sul. A Rússia perdeu dezenas de milhares de soldados, está lutando para recrutar novos soldados e enfrenta uma reação crescente, mesmo de alguns aliados, por sua invasão prolongada.
A Ucrânia disse que as medidas sinalizam o desespero da Rússia, e os aliados de Kiev disseram que tais votações seriam ilegais. Os Estados Unidos alertaram em julho que a Rússia estava tomando medidas para anexar partes ocupadas da Ucrânia "em violação direta da soberania da Ucrânia".
Mikhailo Podoliak, conselheiro sênior do presidente Volodmir Zelenski da Ucrânia, disse que falar sobre anexação era pouco mais do que um "sedativo" para o público russo, enquanto Moscou tentava entender suas perdas no campo de batalha. Qualquer chamado referendo, acrescentou ele, não impediria "Himars e as forças armadas de destruir ocupantes em nossa terra", referindo-se a um sistema de mísseis fornecido pelos americanos que ajudou os ucranianos a atacar as forças russas.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, rejeitou os planos de "referendos falsos" e disse: "A Rússia tem sido e continua sendo um agressor que ocupa ilegalmente partes de terras ucranianas. A Ucrânia tem todo o direito de libertar seus territórios e continuará liberando-os, independentemente do que a Rússia tenha a dizer."
O Instituto para o Estudo da Guerra, um think tank com sede em Washington, disse que o pedido dos líderes russos para que Moscou anexasse os territórios refletia pânico. A tentativa de anexar áreas onde as forças russas estão lutando para impedir as ofensivas ucranianas pode forçar o Kremlin a exigir que a Ucrânia deixe o chamado território russo – e colocar Moscou na "posição humilhante de ser incapaz de cumprir essa exigência", disse o grupo.
Em 2014, forças russas invadiram a Crimeia e Putin a anexou depois que autoridades recém-instaladas organizaram às pressas um referendo de secessão que teria garantido o apoio de 97% dos eleitores, gerando acusações internacionais de fraude. (Com agências internacionais)