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Biografia de Bukowski busca aparar vãos entre realidade e ficção

Um belo dia, o jovem Charles Bukowski entrou na Biblioteca Pública de Los Angeles – “um edifício grandioso e abundantemente ornamentado, com todos os livros que Bukowski poderia querer ler”, como escreve Howard Sounes – e se deparou com Arturo Bandini. A leitura de Pergunte ao Pó, de John Fante, naquele dia do fim dos anos 1930, fez sua vida mudar: e ele então encontrou na literatura um motivo para seguir em frente.

A vida de Bukowski, nascido em Andernach, na Alemanha, em 1920, mas identificada totalmente com a cultura norte-americana, é o objeto de Bukowski – Vida e Loucuras de Um Velho Safado, livro do jornalista inglês que a Editora Veneta põe novamente em circulação no Brasil.

Bukowski é conhecido por usar sem rodeios os acontecimentos e aspectos da sua vida na ficção e nos (milhares de) poemas que produziu – fazer uma biografia sua foi, então, aparar os vãos entre realidade e literatura, nas palavras de Sounes. “Ele mudava as histórias de uns jeitos ridículos. Num sentido cômico, era o ultraje que ele trazia para os livros. As pessoas estavam ansiosas para contar o que realmente aconteceu. Isso, é claro, é um bom material para um livro”, diz o jornalista inglês – essa foi a primeira biografia publicado por Sounes, em 1998. Foram outros oito livros de não ficção até hoje.

Jornalista de formação, Sounes tem um gosto pelo “furo” (a notícia que ainda não foi publicada por ninguém), e ele dá alguns no livro: como mostrar a primeira foto conhecida de Jane Cooney Baker, o primeiro amor da vida de Bukowski e a pessoa que ele mais transformou em ficção, atrás apenas de si mesmo (com o alter ego Henry Chinaski) e de seu pai. Jane morreu antes de Bukowski alcançar a fama, nunca foi entrevistada, e só era conhecida pelos detalhes que o escritor fornecia em entrevistas. Segundo Sounes, “uma história pitoresca inteiramente ficcional”. Ele foi atrás da família dela no Novo México e rastreou cartas, informações escolares e hospitais para tentar se aproximar do que de fato aconteceu.

Outra descoberta diz respeito aos anos em que Bukowski, supostamente, passou bêbado e vagabundeando por aí. “Fui à Alemanha e encontrei um primo dele com muitas imagens, algumas delas estão no livro”, conta Sounes. “São fotos enviadas pelos pais de Bukowski da América e todas têm referências de datas no verso. Por causa disso, pude desmascarar algumas das histórias. Em uma das fotos, ele está com um terno, parecendo bastante esperto, com gravata, como se estivesse indo a uma entrevista de emprego. Foi tirada naquele período em que ele diz que estava zanzando pela América como um mendigo. Esse tipo de coisa ajuda muito. Dá para ver como ele exagerou a história de algum jeito.”

Dois mitos entre os muitos que cercam a vida de Bukowski – grande parte dos quais ele mesmo criou usando suas dezenas e dezenas de livros – também ganham alguma contestação na biografia: o problema com a bebida e a sexualidade. “A bebida com ele é exagerada. Quer dizer, ele era alcoólatra, mas é uma situação trágica de se estar. Não tem nada divertido sobre isso”, conta Sounes. O biógrafo sublinha que, perto do fim da vida, Bukowski parou de beber e conseguia escrever do mesmo jeito. “Se criou uma espécie de mito feliz com Notas de Um Velho Safado, com Bukowski sendo esse bad boy, esse bêbado perseguidor de mulheres, mas ele era muito mais sofisticado do que isso. Mais sutil, intelectual. Mas essa não é uma imagem fácil de vender…”

Mas ele bebia de fato e, de acordo com o poeta Harold Norse – amigo que depois rompeu com Bukowski, ainda em vida -, quando isso acontecia, ele se transformava num “exibicionista egocêntrico e homofóbico”. “Ele teria lhe dado um murro”, revela Norse, no livro, sobre a possibilidade de considerar Bukowski qualquer coisa que não um completo heterossexual, “o que prova que estava tentando esconder algo”. Ele também diz que quando estava “animado”, Bukowski mostrava o pênis e pedia para ver o dele. Não havia contato físico (Norse rejeitava a ideia de fazer sexo com aquele homem “horrível, com um rosto marcado e roxo, como o Fantasma da Ópera, e a barriga de baleia caindo por cima do cinto”) – mas não deixa de ser uma história curiosa sobre um homem que escreveu tanto sobre as mulheres.

Longe de ser uma unanimidade de crítica, Bukowski criou um séquito de leitores ao longo dos anos. “Ele é muito do seu tempo, claro, dos anos 1930-1980. Mas acho que ele não é datado. O estilo simples e engraçado permanece”, opina Sounes. Para o biógrafo, existe um tipo de paradoxo no fato de Bukowski ter escrito tanto sobre a vida difícil da classe trabalhadora, mas ser lido por “pessoas que vivem em casas legais, de classe média”.

“Ele não é mainstream, não é para todo mundo. É um escritor cult, embora essa palavra seja usada demais. Frequentemente, quem lê são os mais jovens e os que estão começando na vida, Bukowski era um outsider, e acho que eles simpatizam com isso, com esse cara que batalhou na vida. As pessoas dizem que suas histórias dão conforto em tempos difíceis. Nunca pensei nisso, mas as pessoas me escrevem, dizendo que a leitura ajudou de alguma forma. Parece, pelos textos, que ele sofreu e se machucou. Ele também é um escritor muito bom. Tem um estilo muito legal”, especula Sounes.

Uma das histórias do livro fala da noite que ele fez uma leitura pública no clube adequadamente chamado Baudelaire, em Santa Barbara (algumas leituras de Bukowski estão disponíveis no YouTube e são impagáveis). A confusão era geral – bêbados inconvenientes gritavam da plateia, houve uma briga e o escritor, rabugento, xingava todo mundo. “Vocês me dão nojo.” A certa altura, ele levantou, mandou todo mundo para aquele lugar e foi embora. Claire Rabe, a dona do estabelecimento, assistia à exibição e acabou se interessando por Bukowski, fornecendo a Sounes uma frase que, num universo paralelo, poderia servir igualmente a um crítico literário, talvez. “Ele era incrivelmente sem graça, impressionantemente feio. Eu o achei muito atraente.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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