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Biografia traz detalhes sobre Maria Thereza Goulart

Na primeira metade da década de 1960, a gaúcha Maria Thereza Fontella Goulart era apontada como uma das mulheres mais bonitas não apenas do Brasil, mas do mundo. Esposa do presidente João Goulart (1918-1976), o Jango, que governou o Brasil entre 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros, até 1964, quando foi deposto pelo golpe militar, ela estampou as capas das principais revistas nacionais e estrangeiras – a Time a incluiu entre as mais belas primeiras-damas do mundo, ao lado da princesa Grace Kelly, de Mônaco, e de Jacqueline Kennedy, dos Estados Unidos. Apesar de tamanho assédio, Maria Thereza sempre preferiu a discrição, o que explica em parte o título de Uma Mulher Vestida de Silêncio, biografia assinada por Wagner William, que a editora Record lança nos próximos dias.

O título resume com precisão a trajetória de Maria Thereza, ainda hoje uma senhora de infinita elegância: se foi famosa pelos belos vestidos (grande parte desenhada especialmente para ela por Dener, um dos mais famosos estilistas brasileiros, que também se aproveitou da projeção), ela também preservou sua intimidade. Um feito para quem viveu sobressaltos em tenra idade: aos 14 anos, conheceu casualmente o homem com quem se casaria dois anos depois; aos 26, tornou-se primeira-dama e, antes de completar 29, foi obrigada a se exilar no Uruguai com o marido e dois filhos, Denize e João Vicente.

Tais idades, aliás, podem variar, pois não foi possível para o pesquisador precisar o ano de seu nascimento, uma vez que o registro foi feito tardiamente. “Por isso, fiquei, por depoimentos, entre 1936 e 37”, explica William. O certo é que Maria Thereza sempre lutou para manter a memória de Jango, especialmente negando notícias que perseguiram sua figura, como o fato de ser comunista por tentar fazer reformas política, administrativa, eleitoral, agrária e universitária quando presidente.

Um dos grandes trunfos da biografia é apresentar em detalhes a vida de uma mulher que foi educada, pela escola e pela família, para uma rotina pacata, sem sobressaltos. Uma menina, na descrição de William, que não fazia força para agradar, era amiga da solidão, não sorria à toa, que sabia ser linda e que enfrentava qualquer discussão. Sobre seu trabalho, que consumiu 12 anos de pesquisas e entrevistas, William respondeu às seguintes questões.

O comício de 13 de março de 1964, no Rio, foi certamente um dos eventos mais tensos já vividos por Maria Thereza – havia, por exemplo, ameaça de atentado. Mas também foi o dia em que ela mostrou mais fibra, ao vencer o medo de multidões e o risco de atentado para seguir o marido.

Sim, foi um dos dias em que ela se desafiou e enfrentou seus medos interiores, muito mais pelo marido (temia que algo pudesse lhe acontecer) do que por ela. Porém, foi “apenas” um dia tenso. Ficou longe de ser uma lembrança ruim, pelo contrário. Nos dias seguintes ao comício, sentia-se muito feliz com a repercussão da sua presença (uma mulher) no palanque. Um tabu que se quebrava no Brasil. Porém, nem de longe imaginava que a foto dela ao lado de Jango no palanque se tornasse emblema de uma época.

Traumática também foi a madrugada de 31 de março para 1º de abril de 64, quando ela, em Brasília, tinha poucas notícias do que acontecia no Rio.

Esse sim foi um momento traumático. Ela recebia poucas notícias de Jango, o que aumentava a sua aflição porque recebera dele uma firme orientação de só fazer o que ele – ou outras pessoas de confiança – mandassem. Assim, a espera aumentava sua angústia. Temia pela vida de Jango. Esse é um fato que deve ser contextualizado. Não se deve olhar apenas para trás. Nem ela, nem ninguém, saberia qual seria a melhor atitude a ser tomada, e as horas de espera confirmam essa indefinição. Ela demorou para fazer a mala (como se essa não aceitação pudesse evitar o pior) e levou apenas uma mala para passar 12 anos. De toda a série de mais de 20 entrevistas com ela, essa passagem é a única em que ela apresenta dificuldade de relembrar.

Dener foi uma das poucas pessoas (se não a única) a ligar para Maria Thereza quando ela se preparava para deixar Brasília apressadamente naquele início de abril. Ao longo dos anos, ele foi mais do que o estilista particular dela, não?
Dener foi o único a ligar, mas não se pode esquecer dos outros verdadeiros amigos que estavam na Granja do Torto e que não a abandonaram. Como apontado no livro, Dener foi muito mais do que seu estilista. Se fosse hoje, ele “acumularia as funções” de personal stylist, marqueteiro, faria o gerenciamento de sua imagem, e quantas funções mais as “novas tendências do mercado” pudessem criar. O importante, indiscutivelmente, foi que, antes de Dener, Maria Thereza era apenas a jovem esposa de um político. Depois que a dupla se formou, ela se tornaria uma das mais famosas mulheres do mundo. Uma primeira-dama que seria capa de várias revistas internacionais. Isso tudo, com a decisiva participação dele, que, além do próprio talento e de uma pulsante criatividade, também soube impulsionar a própria carreira (que já estava consolidada no Brasil) na esteira do sucesso que Maria Thereza fazia.

Quando Maria Thereza teve, de fato, o sentimento de perigo no momento do golpe? Quando já estava em São Borja, onde foi ameaçada de ser presa?

Durante os dias do golpe, nem ela, nem ninguém, tinha noção do que poderia acontecer. Foi nos seus primeiros meses de exílio que começou a sentir essa rejeição, o que não a incomodava tanto. Mas ficava irritada ao perceber como esse isolamento forçado abatia Jango. Ela (reflexo da infância e adolescência vividas em cinco casas diferentes) poderia se adaptar facilmente: foram expulsos do Brasil? O Brasil não os quis? Não haveria problema, viveriam no Uruguai, país que os acolheu muito bem. Se dependesse só dela, a vida da família, a escola dos filhos, os amigos, as conversas, os negócios do marido, tudo giraria em torno do novo país. Mas Jango, que não aceitava e nunca aceitaria a distância do Brasil, alimentava em sofrimento a esperança de retorno, continuava fazendo política, incentivava novos e velhos amigos a continuar fazendo política, como se pudesse estar de volta no mês seguinte. Neste momento, o exílio (a “invenção do demônio”, expressão criado por Jango) começa a dividir o casal. Maria Thereza vivia a vida real, do Uruguai. Jango sonhava com a volta para um país que deixava de existir.

Maria Thereza, assim como Jango, tinha a solidão como um traço de personalidade. Isso também os uniu?

Boa pergunta. Eram “solidões” diferentes. O que os uniu muito no namoro foi que Jango encontrou em Maria Thereza uma irreverência, o mesmo gosto por aventura (a competição arriscada de tiro que o diga…). A solidão de Maria Thereza surge a partir das decepções e das descobertas das traições – por interesse ou por dinheiro – que o casal sofreria após o golpe. Muitos que se diziam amigos fiéis não demoraram para abandoná-los. Ao longo do exílio, ela vai se tornar uma pessoa eternamente desconfiada, o que se agravaria com as informações sobre espionagem que recebiam de amigos próximos (os funcionários de Jango seriam aqueles que mais sofreriam com seu questionamento, eram raros os empregados que contavam com sua confiança). Já a solidão de Jango era mais um traço de personalidade tão comum ao gaúcho da fronteira.

Ao longo dos anos, só se conhecia a beleza de Maria Thereza. Em seu livro, descobre-se que ela tinha agorafobia, amava bichos, conversava com espíritos quando criança, não gostava de brincos. Qual perfil você traçaria dela?

Uma filha de fazendeiros da fronteira gaúcha que, em menos de 30 anos, “trocou de casa e de família” mais de cinco vezes; conviveu, desde pequena, com o poder na sala ao lado; casou com um homem importante; tornou-se uma das mulheres mais famosas do mundo; chegou onde jamais sonhara; sofreu golpes e Golpes; reconstruiu com sucesso sua vida e a de sua família várias vezes; acostumou-se a ser atacada e a perder sentimentalmente tudo que construíra e, com isso, fechou-se em silêncio.

O comunismo sempre foi um assunto incômodo ao casal. Foi algo, por fim, resolvido ou perturbou até a morte de Jango?

Esse tema nunca incomodou o casal. Quando questionado por Maria Thereza sobre comunismo, ou por Juscelino, Lacerda, Kennedy, militares, a resposta de Jango não variava muito. “Esse acordo precisa OU não precisa ser feito para o bem do governo.” Ele era um político. Maria Thereza sabia que Jango não chegava nem perto de ser comunista. A antológica pergunta que ela faz a Darcy Ribeiro durante o comício escancara isso – além disso, o único candidato que conheço que se negou a receber apoio político de comunistas foi o marechal Lott.

Maria Thereza continua uma mulher em silêncio, mas há algum assunto que ainda hoje a incomoda?

Acho que não existe tema que a incomode. O que a tira do sério é o erro (especialmente quando proposital). Vamos ficar em apenas algumas passagens: 1. durante a exibição da novela Mulheres Apaixonadas, a revista Época, em uma reportagem sobre mulheres que amam demais, citou “de passagem”, sem ouvi-la, que ela havia se tornada alcoólatra – ela não gosta de álcool, bebe apenas por padrão social em eventos. 2. tornou-se suspeita, durante uma investigação da Câmara Federal sobre a morte de Jango, de ter envenenado o marido injetando gás sarin em seu copo dágua (seria cômico…). A suspeita foi repercutida por vários jornais. Um professor de Química bastaria para explicar aos deputados que isso seria impossível. Assim, acredito que o silêncio não foi uma opção ou seja reflexo de um traço de personalidade. Como ainda encontrar paciência para falar ou responder às mesma perguntas de sempre? Por isso é muito difícil que ela aceite dar entrevista. Ela prefere continuar “em silêncio”.

UMA MULHER VESTIDA DE SILÊNCIO
Autor: Wagner William
Editora: Record (644 págs., R$ 74,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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