A Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês) não aceitou o recurso apresentado pelo ex-presidente da Fifa, Joseph Blatter, e manteve nesta segunda-feira a punição que havia sido aplicada ao ex-dirigente. O tribunal, assim, confirmou que o suíço ficará suspenso de qualquer atividade do futebol por seis anos e não o inocentou.
Para os juízes do tribunal, Blatter, de 80 anos de idade, violou as regras de ética da Fifa ao dar US$ 2 milhões a Michel Platini, em 2011. O dinheiro, segundo os árbitros da CAS, seria um “presente indevido”.
Condenados por “abuso de poder” pela Fifa, Blatter e Platini haviam sido suspensos do futebol por oito anos no final de 2015, numa decisão que havia sido considerada como um divisor de águas na história da entidade que, pela primeira vez, afastou do futebol seu presidente.
A estratégia também era a de demonstrar ao FBI que a Fifa estava virando a página. Pressionada por patrocinadores e pela polícia, a entidade precisa provar que ela é a vítima dos cartolas, e não uma organização criminosa.
No centro do debate estava a transferência de US$ 2 milhões do suíço ao francês, realizada em 2011. O Ministério Público da Suíça também investiga o caso.
Mas, no final de 2015, Blatter adotou um tom desafiador, convocou uma coletiva de imprensa na antiga sede da Fifa e prometeu lutar para reverter a punição, recorrendo a todas as instâncias. “Fui traído”, disse.
Blatter apontava de que o dinheiro era um salário atrasado que a Fifa devia para Platini. Mas admitiu que não existe acordo escrito e que se tratava de um “acordo oral de cavalheiros”. Para a Fifa, porém, a suspeita era de falsificação do balanço financeiro da entidade. Blatter era presidente e Platini, em 2011, seu vice-presidente. Ambos teriam de ter informado aos demais membros do Comitê Executivo sobre o pagamento, o que não ocorreu.
Segundo o Comitê de Ética da Fifa, portanto, o pagamento de US$ 2 milhões “não tem base legal”. A tese de um “acordo de cavalheiros” não foi “convincente” e acabou sendo rejeitada.
O Comitê de Ética também admitiu que as evidências coletadas não foram suficientes para provar que se tratou de um episódio de corrupção envolvendo os ex-dirigentes, mas apontou que a “conduta de Blatter em relação a Platini sem base legal constitui uma violação das regras da Fifa sobre dar e aceitar presentes e outros benefícios”.
A decisão apontou que Blatter colocou seus interesses pessoais sobre os da Fifa. “Suas ações não mostraram compromisso com uma atitude ética, demonstrando um uso abusivo de sua posição de presidente da Fifa e violando as regras de conduta”.
RECURSO – Num primeiro momento, a própria Fifa optou por uma redução da pena, depois de um primeiro recurso. De oito anos, a suspensão passou a ser e seis.
Agora, na nova decisão, a CAS não reduziu e nem o isentou da irregularidade, mantendo os seis anos de punição. Em uma audiência para se defender em agosto, Blatter e seus advogados passaram 14 horas com os juízes do tribunal. Sua tese era de que houve um erro administrativo. Mas não uma falha ética. “O recurso foi rejeitado”, indicou a CAS em um comunicado, que também confirma a multa de US$ 50 mil.
Para os juízes, “o contrato que existia por escrito entre Platini e a Fifa, feito em 1999, invalidava qualquer acordo oral concluído entre Platini e Blatter estabelecendo que ele fosse pago US$ 1 milhão por ano por seus trabalhos na Fifa”.
“Portanto, ao dar US$ 2 milhões a Platini em 2011, Blatter violou o Código de Ética da Fifa, já que o pagamento seria um presente indevido, pois não teria qualquer base contratual”, explicou o tribunal.
Os juízes ainda concluíram que “Blatter ilegalmente deu contribuições a Platini sob o plano de aposentadoria do Comitê Executivo da Fifa, o que também seria um presente indevido”.
De acordo com o tribunal, Blatter não pediu uma redução de sua pena. Mas sim a anulação, mas a mesma foi recusada. “De qualquer forma, os juízes determinaram que as sanções impostas não foram desproporcionais e mantiveram as decisões em sua integralidade”, completou a CAS.
Já Platini, numa decisão anunciada em meados do ano, viu sua punição ser reduzida para quatro anos. Em seu caso, o francês não havia solicitado uma anulação da pena. Mas sim sua redução.
FIM DE UMA ERA? – Para pessoas próximas a Blatter, a decisão desta segunda-feira pode colocar um ponto final a uma carreira repleta de polêmicas. Ao lado de João Havelange, Blatter criou um sistema clientelista no qual as federações nacionais recebiam privilégios, dinheiro e torneios em troca de um apoio incondicional aos dois cartolas em Zurique. Suas alianças com multinacionais e pactos com ditadores sanguinários também reforçaram a fundação de seu poder, ao ponto de Havelange o alertar que estava “criando um monstro”.
Mas, no dia 27 de maio de 2015, a história de Blatter mudaria de forma profunda. Uma ação policial em Zurique e na sede da entidade fez com que as empresas patrocinadoras exigissem sua saída. Quatro dias depois de vencer as eleições à presidência da Fifa, o suíço foi obrigado a anunciar novas eleições, em fevereiro de 2016.
Ele estava convencido, porém, de que voltaria ao poder e usaria esse tempo para desmascarar e manobrar seus opositores, os eliminando. Assim, em fevereiro de 2016, demonstraria às 209 federações nacionais que apenas ele poderia continuar mandando na Fifa.
O que ele não contava, porém, era com uma ação da polícia de Zurique que, em setembro, entrou na Fifa e o colocou como suspeito por corrupção e gestão desleal.
Blatter, entretanto, havia alertado há três meses que, se não fosse inocentado, poderia recorrer uma vez mais da decisão. Para isso, porém, terá de levar o caso ao Tribunal Federal da Suíça, fora do âmbito esportivo e numa atitude rara. Por anos, foi ele mesmo quem alertava que disputas esportivas não deveriam ser alvo de decisões de tribunais penais. Agora, com a pena, mudou de ideia.