Variedades

Bob Wilson e o alerta de uma arte sem muros

Ao esbarrar com a poesia silenciosa de John Cage, as palavras do músico e autor precisaram ser vividas do modo mais casual possível para que o encenador texano Robert Wilson levasse para o palco Lecture on Nothing (Conferência sobre Nada), que tem duas – concorridas – apresentações no Sesc 24 de Maio, nessa sexta, 1º, e sábado, 2.

Após ouvir o próprio Cage em uma igreja, Wilson recorda que, enquanto visitava a família no Texas, deparou-se com uma criança no chão da sala de uma vizinha. Ela estava em silêncio e com as mãos unidas, como em oração. Quando a mãe o viu, perguntou e o filho respondeu: Nada! Não estou fazendo nada”. Nesse momento, a obra de Cage brilhou para o diretor. “Percebi que existe uma beleza na experiência de observar alguém fazendo nada.”

Para quem dirigiu no ano passado uma história sobre Garrincha, Wilson volta ao Brasil, dessa vez no palco. A última vez que atuou foi em 2012, no monólogo A Última Gravação de Krapp, de Beckett. No mesmo ano, o encenador de 75 anos também trouxe para São Paulo o Berliner Ensemble, a companhia fundada por Brecht, com a Ópera de Três Vinténs, e Lulu, a partir de textos do alemão Frank Wedekind. Em 2013, Wilson estreou na direção de elenco brasileiro em A Dama do Mar e, no mesmo ano, veio com Mikhail Baryshnikov e William Dafoe em The Old Woman.

Mas, em Conferência Sobre Nada, Wilson não está totalmente só. Em cena, coberto por uma tinta branca, o ator está em cena cercado por grandes cartazes com trechos do texto. “Isso é parte da uma estrutura acústica que Cage criou. É escrito como uma partitura e foi revolucionário ao conceber um espaço especial para pensamento e reflexão.” No alto, um jovem o observa com binóculos. “Cage vem de uma filosofia oriental, diferente da educação formal nos EUA e na Europa. Há um ritmo diferente que nos inspira um modo diverso de responder”, conta o diretor, que vai exibir no domingo, 3, um vídeo de seu Hamlet, que estreou em 1995, e conversar com a plateia. “Posso dizer que Shakespeare é um polo oposto ao da obra de Cage, mesmo que eles se encontrem em algum momento, como será aqui.”

O aparente aconchego de estar imóvel em uma peça sobre o vazio faz com que Wilson pense um pouco mais para responder sobre a atitude oposta de seu presidente, Donald Trump. “É sempre uma questão entre os caras maus e os caras bons. Por exemplo, há uma razão para o Bush ser atacado, mesmo que não seja algo tão preto no branco. Se há um dragão em sua frente, é preciso empunhar a espada. Temos que ficar alerta sobre Trump.”

Wilson acrescenta que a política do novo presidente dos EUA acabou interferindo nas atividades do Watermill Center, seu espaço de criação e performance em Nova York, que recebe artistas do mundo todo para um intercâmbio artístico. “Muitos convidados não conseguiram obter o visto para entrarem no País. Isso ficou claro porque esses artistas têm etnia ou religiões do Oriente Médio. Aqui no Brasil, três atores que integraram o elenco de Garrinha, entre eles, Robson Catalunha (leia ao lado), iriam para o intercâmbio, mas os outros dois não conseguiram o visto. No Watermill, não construímos muros. Não há portões nem nada com o objetivo de bloquear a passagem de pessoas.”

CONFERÊNCIA SOBRE NADA
Sesc 24 de Maio. R. 24 de Maio, 109.
Tel.: 3350-6300.
6ª (1/9) e sáb. (2/9), 21h.
Hamlet. Dom. (3/9), 18h. R$ 40.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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