A Boeing poderá ter que se contentar a ficar com uma fatia de 35% da Embraer. Partindo da premissa de que o governo não tem interesse de aprovar a venda da fabricante de aeronaves para sua rival, dada a ligação da companhia à segurança nacional e o desgaste político que enfrentaria ao dar aval para a transação, a companhia americana poderá se satisfazer com a participação máxima permitida em estatuto, sem que a bênção do governo para o negócio seja necessária.
No Estatuto Social da Embraer, no artigo 54, está previsto que qualquer acionista, ou grupo de acionistas, que adquira 35% ou mais do total das ações da empresa terá que submeter a transação à União, para que possa realizar uma oferta pública de ações para aquisição da totalidade das ações de emissão da companhia.
O governo tem o poder de barrar, neste momento, a negociação por conta da golden share, que nada mais é do que uma ação de classe especial que é retida pelo poder público após uma privatização. Se for permitida que a oferta pública aconteça, a integralidade da companhia poderá ir para as mãos da Boeing, visto que dependerá de cada acionista da Embraer a decisão de aceitar ou não o valor por ação ofertado pela Boeing, preço que tende a ser atrativo.
A maior parte da fatia da União na empresa é via o braço de participações do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o BNDESPar, que possui pouco mais de 5% da companhia. A Embraer é uma corporation, ou seja, tem capital pulverizado, sendo que além do BNDESPar, estão entre os principais acionistas a gestora americana Brandes, como a maior acionista individual, com 15% do total, a Mondrian, com cerca de 14%, e a gestora BlackRock, com outros 5%. Os demais 64,5% estão dispersos no mercado. Além de ações listadas na bolsa brasileira, a Embraer possui ADRs na Bolsa de Nova York, que são recibos de ações estrangeiras, sendo que 51% estão concentradas na Nyse e 53% na B3.
Embora as informações publicadas até agora deem conta de que, para ajudar a atrair o governo brasileiro, a Boeing estaria disposta a tomar medidas para proteger a marca da Embraer, sua gestão e empregos, e ainda a estruturar um acordo de forma a proteger os interesses do governo em relação aos negócios ligados ao setor de defesa, a avaliação é de que a atuação no segmento de Defesa e Segurança pode ser considerada o fator mais limitador para aceitar a transação. Nessa área, além da fabricação da aeronave de ataque leve e treinamento (Super Tucano) e do cargueiro multimissão (KC-390), a empresa também atua com fornecimento de soluções de Comando e Controle, radares, sistemas de monitoramento e vigilância de fronteiras. O desenvolvimento tecnológico e a produção de equipamentos militares realizados pela empresa são considerados pelo próprio governo assuntos sensíveis.
Por isso, diferente da venda de outras participações em empresas, neste caso tende a pesar na decisão final do governo não só a avaliação da equipe econômica para a transação como também a opinião do Ministério da Defesa. Mas mesmo do ponto de vista econômico, a aprovação pode não ter um apelo tão grande, dado que o resultado financeiro que trará para o Tesouro Nacional não tende a ter grande reflexo nas contas públicas.
Na visão do Credit Suisse, o “orgulho nacional” é uma variável importante a ser considerada na operação, e que poderá determinar a estrutura dos arranjos entre as fabricantes. “Nós acreditamos que as joint ventures podem ser preferíveis em algumas circunstâncias em relação a fusões completas, com as partes continuando a ter posse de suas presenças nacionais”, escrevem Robert Spingarn, Jose Caiado e Audrey Preston.
Embora acreditem que uma compra da Embraer pela Boeing estaria alinhada a um movimento em direção a uma maior consolidação do mercado, seguindo os passos do acordo entre Airbus e Bombardier no programa C-Series, os analistas do Credit Suisse também veem sentido em alianças estratégicas e arranjos entre fabricantes especializadas em pequenas e grandes aeronaves, tendo em vista o caráter complementar (e não de sobreposição) dessas operações em termos de portfólio.
O BTG Pactual também nota que alguns arranjos poderiam eliminar a necessidade do aval do governo, como acordos que envolvessem somente a família dos E-Jets. “O segmento de Defesa teria maiores restrições”, comenta a equipe do banco.
Pete Skibitski, do banco de investimentos Drexel Hamilton, ressalta que nunca enxergou a Embraer como candidata a uma possível venda, justamente por causa das golden shares detidas pelo governo brasileiro. “Uma companhia com o alcance global da Boeing poderia ser vista com aprovação pelo governo brasileiro?”, questiona.