Aliados de Jair Bolsonaro tentam aproximar o governador Tarcísio de Freitas de José Carlos Bonilha, um dos candidatos ao comando da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) de São Paulo. O cargo ficará vago em meados de abril, quando termina o mandato do atual titular, Mário Sarrubbo, que será Secretário de Segurança Pública na gestão de Ricardo Lewandowski à frente do Ministério da Justiça.
O sucessor será escolhido em duas etapas. Na primeira, os integrantes do Ministério Público paulista formam uma lista tríplice por meio de eleições internas. Depois, caberá a Tarcísio escolher um dos nomes da lista. Os procuradores Paulo Sérgio Oliveira e Costa, ex-diretor da Escola Superior do Ministério Público e José Carlos Cosenzo, subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais, despontam como favoritos. Eles têm o apoio de Sarrubbo, que, por sua vez, é ligado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, avalista de sua indicação para o governo Lula.
Bonilha, por outro lado, tem atraído a atenção de aliados de Bolsonaro pelo histórico de críticas à atuação do magistrado, principal adversário do ex-presidente no Judiciário. Desde setembro de 2022, ele responde a um processo administrativo disciplinar (PAD) por criticar resolução editada por Moraes, enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proibiu eleitores de levarem celulares para a cabine de votação. A norma determinava que os mesários retivessem os aparelhos e que não autorizassem quem se negasse a entregá-los a votar.
Em entrevista à Jovem Pan, Bonilha classificou o ato como "uma medida absolutamente autoritária, que não encontra base constitucional" e que não poderia ser aceita. "Ordens manifestamente ilegais não devem e não podem ser cumpridas. O presidente do TSE, ao regulamentar a eleição dessa forma, extrapola todos os limites constitucionais", disse na ocasião.
O procurador Moacyr Rey Filho, membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), entendeu que as declarações atentaram "contra o prestígio e a dignidade da Justiça" e "lançaram descrédito e desconfiança sobre a Instituição e o sistema eleitoral brasileiro". Avaliou ainda que a fala poderia instigar o descumprimento da regra e determinou a abertura do PAD, ainda em curso.
"Dei uma opinião técnica. Fiz a construção de uma tese obediente à Constituição e às leis. Não me parece que isso dê ensejo a qualquer tipo de infração. Exerci meu pensamento. Se alguém pensa diferente, não há problema algum. Falei em meu nome, não no do Ministério Público", diz Bonilha ao <b>Estadão</b>.
Esta não foi a única oportunidade em que ele fez críticas públicas a Moraes. Em agosto de 2022, durante uma reunião virtual do Conselho Superior do MP-SP, ele se opôs ao voto de louvor ao ministro, proposto pelo corregedor-geral da entidade, Motauri Ciocchetti de Souza.
"Eu me vejo evidentemente obrigado a contrariar um voto de louvor a um ministro que, de forma recorrente, desobedece a um comando constitucional que consagra o sistema acusatório, um mandamento constitucional relevantíssimo e de fundamental importância para o Ministério Público", protestou.
Bonilha puxou outros quatro votos contrários à proposta, aprovada por seis a cinco e registrada na ata daquela sessão. A atitude expôs a divisão dentro do órgão sobre a atuação de Moraes. Procurado por meio de sua assessoria, o ministro do STF não se manifestou.
Apesar de seu histórico de críticas ao magistrado, o procurador rechaça o título de "bolsonarista". Prefere se definir como um "cristão de centro-direita" e prega uma atuação "sem viés ideológico" à frente da PGJ, o que, na sua avaliação, não ocorreu na gestão de Sarrubbo.
"A PGJ deve cumprir a Constituição e as leis sem aderir a nenhuma linha ideológica. As ONGs e os partidos podem ter as suas pautas e levar demandas para o MP, que serão atendidas desde que respeitem uma escala de prioridade estabelecida pela sociedade."
Ele cita como exemplo de "viés" as ações protocoladas pelo MP-SP contra Câmaras Municipais do Estado para impedir menções a Deus no início de sessões oficiais. "A Constituição prevê a laicidade do Estado. Isso significa que o Estado não está subordinado à Igreja, mas a religião não é proibida", argumenta.
"Se você vai a uma comarca em Ribeirão Preto, Catanduva ou Santos e pergunta o que a sociedade quer, acho difícil que alguém fale em eliminar a menção a Deus no início de sessões. Vão falar do crime organizado, da segurança alimentar, vagas em creche."
O procurador também questiona a postura de Sarrubbo nas eleições para a PGJ, em que manifesta apoio a Oliveira e Costa e a Consenzo. "Se o projeto do atual procurador-geral é institucional, por que ele tem dois candidatos e simpatia por uma terceira candidata? Bastaria apenas um. Eu fico até em dúvida se a estratégia não é colocar os três nomes na lista tríplice, fazendo com que o governador, qualquer que seja sua escolha, apoie o grupo situacionista". O procurador-geral de Justiça Mário Sarrubbo também foi procurado para falar sobre as críticas, mas sua assessoria informou que ele não vai se manifestar.
A terceira candidata a que ele se refere é a procuradora Tereza Exner, ex corregedora-geral do MP-SP. Ela é a única mulher na disputa e tem um histórico de atuação em pautas como combate à violência doméstica e a discriminação de gênero. Se eleita e escolhida por Tarcísio, seria a primeira mulher a comandar a PGJ.
Bonilha vê alinhamento entre seus posicionamentos e os de Tarcísio, como a oposição à instalação de câmeras nas fardas dos policiais e à chamada saidinha temporária, período em que presos são liberados do sistema carcerário com data prevista para o retorno.
Sobre este último tema, ele avalia ser possível aplicá-lo com mais rigor sem descumprir a lei. "Como membro do MP e legalista, entendo que deve ser cumprida, mas tem como aperfeiçoar o mecanismo. A ressocialização passa pelo cotidiano da unidade prisional, com estudo, trabalho e apoio psicológico, e não pegar uma pessoa que está presa, entregue ao mais puro ócio, e , da noite para o dia falar você pode ir para a rua e daqui a alguns dias você volta . É preciso que haja uma análise da aptidão desse preso para o convívio social, ainda que temporariamente."