O presidente Jair Bolsonaro cortou verbas destinadas a investimentos públicos para reservar R$ 19,4 bilhões em emendas do orçamento secreto no ano que vem. O projeto de Orçamento de 2023, enviado pelo governo ao Congresso Nacional nesta quarta-feira, 31, prevê o uso dessas verbas para o cumprimento do mínimo de gastos em saúde e até para o reajuste dos servidores públicos.
O orçamento secreto, esquema revelado pelo <b>Estadão</b>, consiste no pagamento bilionário de emendas sem transparência. Congressistas indicam os recursos para abastecer redutos eleitorais, conforme uma divisão feita pela cúpula do Legislativo. O governo, por sua vez, faz a liberação em troca de apoio político. As verbas começaram a ser pagas em 2020.
Esta é a primeira vez que o recurso entra de largada no Orçamento proposto pelo Executivo. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro no início de agosto, impôs a reserva. Nos anteriores, o valor foi incluído durante a tramitação do Orçamento pelo Congresso cortando outras despesas, incluindo aquelas destinadas ao pagamento de salários e aposentadorias, e foi sancionado pelo presidente na sequência.
Na prática, a inclusão do orçamento secreto na proposta forçou o corte de outras despesas. O valor de investimentos públicos federais ficou em R$ 20 bilhões, o menor nível da história – ano passado, a quantia apresentada no projeto foi de R$ 24 bilhões. O aumento do volume dependerá do Congresso e poderá ser capturado pelo orçamento secreto. Geralmente, as emendas aumentam os investimentos, mas são cada vez mais destinadas ao custeio dos órgãos públicos.
Na apresentação feita à imprensa, o Ministério da Economia mostrou um gráfico com os valores destinados aos investimentos e escreveu que a "redução em relação ao PLOA 2022 se deve à diminuição da base de despesas discricionárias (RP 2), afetada pela reserva de RP 9 e redução de projetos qualificados como em andamento". A pasta ressaltou que a reserva das emendas de relator pode ser revertida em investimentos pelo Congresso. Sem considerar as emendas, as despesas que não são obrigatórias e podem ser manejadas no Orçamento (chamadas tecnicamente de discricionárias) caíram de R$ 98,6 bilhões em 2022 para R$ 83 bilhões em 2023 no projeto.
O governo colocou R$ 10,4 bilhões para as despesas da saúde no guarda-chuva das emendas de relator-geral. É uma estratégia para cumprir o piso mínimo obrigatório de recursos para o setor. Na prática, além dos investimentos, o orçamento secreto também acabou capturando as despesas da saúde, como o Estadão antecipou. Além disso, o Executivo colocou R$ 3,5 bilhões destinados ao reajuste de servidores na emenda RP9. O Congresso poderá mexer nesses recursos para atender ao interesse dos parlamentares. Dessa forma, os valores obrigatórios da saúde e do reajuste salarial não estão garantidos – nem tampouco dos investimentos.
Além dos investimentos, as emendas também impediram o aumento do orçamento no Auxílio Brasil. O programa foi enviado com uma verba de R$ 105,7 bilhões para o ano que vem, suficiente apenas para pagar o benefício mensal de R$ 400, e não de R$ 600, como prometido por Bolsonaro na campanha à reeleição. No total, o Congresso poderá carimbar R$ 38,8 bilhões em emendas no ano que vem, incluindo as indicações individuais, de bancada e do orçamento secreto.
<b> Políticas públicas </b>
O secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, afirmou nesta quarta-feira que as emendas de relator estão cada vez mais ligadas às políticas públicas.
Reportagens do <b>Estadão</b>, porém, revelaram que tratores, caminhões de lixo, escolas, ônibus escolares e poços de águas foram comprados ou instalados por valores acima do mercado e em processos investigados por órgãos de controle. O esquema de corrupção no Ministério da Educação, também revelado pelo Estadão, usou orçamento secreto. (Com Eduardo Rodrigues, Antonio Temóteo e Lorenna Rodrigues)