Após vetar R$ 3,2 bilhões do Orçamento de 2022, o presidente Jair Bolsonaro terá de lidar com uma reação no Congresso em função das despesas que deixou de fora. Parte dos recursos cortados havia sido indicado por comissões da Câmara e do Senado, mas cinco delas foram poupadas do veto presidencial.
As escolhas foram atribuídas ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, novo "chanceler" do Orçamento. Nos bastidores, a avaliação é que, quem se juntou a ele, se salvou. Aí estão, por exemplo, R$ 52,9 milhões em emendas articuladas por Davi Alcolumbre (DEM-AP) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Alcolumbre se reaproximou de Bolsonaro nos últimos meses após ter travado a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado.
A situação causou reação de parlamentares e questionamentos ao Palácio do Planalto. Padrinhos das emendas cortadas pressionam pela derrubada dos vetos logo após o retorno dos trabalhos legislativos, em fevereiro. O corte nas verbas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de quase R$ 1 bilhão, deve ser usado como pano de fundo para os parlamentares derrubarem os vetos às emendas.
Uma das verbas sancionadas foi a da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, que destinou R$ 42,97 milhões para a Fundação Getulio Vargas (FGV). De acordo com o presidente da comissão, deputado Júlio Cesar (PSD-PI), a emenda atendeu a um pedido do ex-ministro Francisco Dornelles, vice-presidente da instituição e presidente de honra do Progressistas, partido controlado por Ciro Nogueira.
"Nós elegemos prioridades nacionais, mas prioridades bem prioritárias. Não foi privilégio da nossa comissão, foi privilégio da extrema necessidade que colocamos", afirmou o deputado. Procurada pela reportagem, a Casa Civil ainda não se manifestou sobre os critérios utilizados.
Além do tratamento diferenciado entre as comissões, a blindagem ao chamado orçamento secreto reforçou as críticas. Essas verbas, com menos transparência e declaradas irregulares pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ficam à disposição de aliados que votam com o governo e contemplam diversos interesses, como a compra de tratores. As emendas de comissão, por outro lado, são aprovadas coletivamente pelos colegiados e só podem destinar recursos para obras e serviços de abrangência nacional. Mesmo que haja padrinhos, especialistas dizem que há mais transparência e critérios.
Levantamento do Inop (Instituto Nacional de Orçamento Público), ao qual o <i>Estadão/Broadcast</i> teve acesso, mostra que cinco comissões foram poupadas, com 100% dos recursos sancionados por Bolsonaro: Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara. Além dessas, a Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado também foi privilegiada, ao emplacar R$ 1,7 bilhão para o reajuste de policiais federais.
Das 41 comissões, 28 tiveram mais de 95% das emendas vetadas. A justificativa usada pelo Planalto é questionada por técnicos do Congresso. Bolsonaro citou que os recursos vetados são inconstitucionais e contrariam o interesse público. Com base nesse argumento, ele vetou as verbas destinadas à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que produz uma vacina contra a covid-19, mas sancionou o recurso destinado ao reajuste dos policiais federais.
A necessidade de recompor despesas obrigatórias também é questionada. O Congresso argumenta que fez uma reestimativa com base nos gastos de anos anteriores. O Ministério da Economia, porém, apontou a necessidade de cortes até maiores, no valor de R$ 9 bilhões. Ou seja, os vetos não agradaram totalmente nem à equipe econômica, que pedia um ajuste maior, nem ao Legislativo, que defende as verbas aprovadas.
"O argumento utilizado para o veto foi a falta de interesse público, a inconstitucionalidade dessas emendas e a contrariedade com a Resolução do Congresso Nacional n. 1 de 2006. Fica o questionamento então se as emendas sancionadas não tinham os mesmos vícios?", afirmou o analista do Inop e assessor de orçamento no Congresso, Romero Arruda. "O que é razoável e justo com a sociedade é que essas decisões possam ser compreendidas com clareza e transparência."