Quando desembarcar em Moscou, na Rússia, o presidente Jair Bolsonaro vai atrair os holofotes internacionais para si. Na quarta-feira, dia 16, quando chegar ao Kremlin, Bolsonaro estará pisando na sede da segunda maior potência militar e nuclear do planeta, com forças posicionadas e capazes de invadir a vizinha Ucrânia, sob protestos do Ocidente. O presidente ganhará, de alguma forma, uma janela para sair do isolamento internacional a que levou o Brasil, hoje visto negativamente em diversos aspectos por Washington e Bruxelas.
Rejeitado por líderes da União Europeia e pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que nunca lhe deu a atenção de um simples telefonema, Bolsonaro receberá na Rússia a deferência que recentemente encontrou apenas em países autoritários do Oriente Médio. Ao atender ao chamado de Vladimir Putin, estará na prática colaborando com a tentativa russa de demonstrar normalidade em dias de tensão. Moscou afirma que seus exercícios militares na fronteira com a Ucrânia são legítimos e classifica como "histeria" os alertas que os norte-americanos disparam ao mundo, alertando para o risco do iminente conflito militar que poderia comprometer a paz em Kiev.
Bolsonaro vai tentar se esquivar da crise militar, apesar das pressões dos EUA para dar um duro recado a Putin. Indagado, ele afirmou que seu foco são as parcerias comerciais. Mas é natural que as movimentações de tropas surjam na conversa entre os presidentes, já que Brasil e Rússia ocupam assento, no momento, no Conselho de Segurança da Organização da ONU. Os ministros da Defesa e chanceleres também farão consultas mútuas. Na instância adequada – as Nações Unidas -, o Itamaraty pregou o diálogo em vez do uso da força.
Aliados do presidente acham que Putin não autorizaria nenhuma incursão militar enquanto recebe um chefe de Estado em seu território. Apesar de as tensões estarem a quilômetros de distância de Moscou, do lado brasileiro houve certa apreensão. Ela veio principalmente do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A ala militar do governo recomendou até o adiamento da viagem, mas o presidente não quis. Hoje, Bolsonaro só desistiria se, de fato, o conflito fosse deflagrado.
A fotografia de Bolsonaro com Putin certamente se somará ao acervo que já reúne imagens com Xi Jinping e Narendra Modi, como forma de o Planalto rebater críticas à condução ideológica da política externa. O encontro no Kremlin também serviu para Bolsonaro incomodar a Casa Branca e pleitear um encontro com Biden – de quem o presidente brasileiro vive se queixando, dizendo que o democrata "não tem tempo" para ele e que a alegada indisposição seria eco de um alinhamento pessoal com o ex-presidente Donald Trump.
Bolsonaro afirma que Putin é um conservador e existem semelhanças entre eles – a exemplo da relação conturbada com imprensa e opositores, aproximação com religiosos e a valorização da "masculinidade". Mas do ponto de vista geopolítico, não há. Na América Latina, os russos sustentam relações próximas e ajudam na sustentação econômica e militar de regimes de esquerda em Cuba e na Venezuela, hostis aos EUA. O bolsonarismo tem em sua raiz uma aversão a esses dois governos latino-americanos. Uma contradição que Bolsonaro omite de seus simpatizantes.
Esse será o terceiro encontro pessoal entre Putin e Bolsonaro. Ele já poderia ter ocorrido em 2020, mas foi adiado pela pandemia da covid-19. Putin veio a Brasília, em 2019, por ocasião da Cúpula do Brics, sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e convidou Bolsonaro a visitar Moscou pelo mesmo motivo. Será também oportunidade de retribuir a reunião bilateral que mantiveram no Palácio do Planalto, em Brasília, à margem do Brics. Eles também se encontraram em Osaka, no Japão, por ocasião do G-20.
O atual encontro foi agendado em dezembro passado, após visita precursora do chanceler Carlos França ao experiente ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov. Em artigo no <i>Estadão</i>, França disse que o "relacionamento bilateral encontra-se aquém do potencial". Na balança comercial, de US$ 7,3 bilhões, há desequilíbrio desfavorável ao Brasil. Os governos têm duas comissões de trabalho. E o Brasil quer um acordo de cooperação e facilitação de investimentos. Um acordo comercial amplo, de livre comércio, como é visto com ceticismo por diplomatas.
A parceria no Brics vem sendo usada como justificativa diplomática da visita de Estado. Mas a verdade é que Bolsonaro não tem o Brics no topo de prioridades de agenda exterior, em que pese já ter visitado China e Índia. Putin, inclusive, aproveitou as últimas cúpulas do bloco para cobrar, cara a cara com seus pares, mais aproximação política, o que não é a pauta brasileira.
A principal justificativa de Bolsonaro é a busca por adubos e fertilizantes, de longe o principal produto da balança comercial entre os países, com cerca de US$ 1,8 bilhão anuais importados pelo Brasil. O País também busca diversificar e sofisticar suas exportações à Rússia, considerados muito concentrados em alguns produtos. Nos últimos anos, a Rússia atingiu a autossuficiência na produção de suínos, retirando mais um item da pauta. A expectativa de produtores nacionais é que voltem a acessar o mercado russo neste ano.
Mas Bolsonaro viaja com uma baixa importante. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi cortada da delegação por causa da covid-19. No ano passado, quando potências ocidentais impuseram sanções a Belarus, um dos principais fornecedores de potássio ao campo brasileiro, a ministra correu a Moscou para tentar garantir e até ampliar o fornecimento de fertilizantes ao Brasil. A preocupação é que a escassez impacte novamente o preço dos alimentos no Brasil, gerando mais inflação, algo negativo para quem busca a reeleição, embora a ministra preveja que a próxima safra de verão esteja garantida.
Há ainda interesse dos russos em fornecer ao Brasil equipamentos militares de ponta. Os russos têm algumas das melhores máquinas bélicas de aviação, como os consolidados caças Sukhoi, e também sistemas de defesa antiaérea, que já foram oferecidos antes, mas não entusiasmaram os militares brasileiros.
Um oficial da Força Aérea russa, no entanto, relata a existência de uma espécie de bloqueio informal nas negociações, por causa das relações muito mais próximas entre militares das Forças Armadas brasileiras com os americanos. No ano passado, o almirante Craig Faller, então chefe do Comando Sul dos EUA, disse que a oferta estava na mesa e que só dependia do Brasil tornar-se parceiro global da Otan. A expansão dessa aliança militar no Leste Europeu desagrada a Putin e é uma das razões do potencial confronto.