O investidor estrangeiro surpreendeu ao ingressar, na última sexta-feira, 4 – dia da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Polícia Federal, em mais uma fase da Operação Lava Jato -, com R$ 2,120 bilhões na Bovespa, maior saldo diário em pelo menos nove anos, desde janeiro de 2007, conforme dados levantados pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. O não residente embute nos preços das ações uma chance maior de mudança de governo e tem se mostrado otimista quanto a uma consequente possível inflexão da economia, relataram profissionais do mercado consultados.
O consenso de muitos fundos globais baseados nos Estados Unidos e na Europa era de posição short (vendida) em Brasil, principalmente nas ações de estatais e de bancos, ficando comprados em Ibovespa futuro, conta James Gulbrandsen, sócio da NCH Capital, gestora especializada em mercados emergentes e com sede em Nova York. Mas, com a possibilidade de mudança de governo, essa estratégia está se revertendo. O que comprova isso é que, nos últimos pregões, os papéis que mais subiram foram justamente os das empresas que mais constavam em operações vendidas, caso de siderúrgicas e Petrobras.
Na avaliação do chefe de análise da Planner Corretora, Mario Mariante, o atual contexto político e econômico não permite a montagem de posições de médio e longo prazo. “O mercado está trabalhando muito no curtíssimo prazo em função do contexto político que estamos vendo”, afirmou. “Não há fundamentos para acreditar num mercado de alta consistente de longo prazo. Mas também não vejo condições de montar uma posição vendida agora”, afirmou Mariante. “Está mais temeroso carregar posição vendida nesse momento”, disse.
Petrobras ON acumula ganho de 31% apenas nestes primeiros dias do mês. A ação PN tem valorização de 45%. CSN, outra ação contemplada pelo rali, registra alta de cerca de 37%. Esse movimento técnico foi bastante nítido também no pregão desta terça-feira, 8, com a ação do Banco do Brasil, que fechou com alta de 10,90%, a R$ 20,25, na máxima do dia. Segundo comentário do Itaú BBA, os investidores cobriram posições underweight (abaixo da média do mercado) por conta das incertezas no cenário político.
Outro dado que corrobora essa tese é que a posição comprada de investidores estrangeiros no mercado futuro de Ibovespa recuou em torno de 20% do último dia de fevereiro até ontem, passando de 173.353 contratos comprados para 139.211 contratos, no líquido.
Para um gestor baseado na unidade brasileira de uma grande asset com atuação global, os últimos acontecimentos no âmbito da Operação Lava Jato, principalmente os eventos da semana passada, trouxeram uma visão ao mercado de que, em algum momento, o atual processo político pode ter “algum tipo de solução”. “O estrangeiro observa o longo prazo. Uma eventual mudança de poder nas eleições de 2018 ou até mesmo antes disso resultou em otimismo sobre uma possível inflexão da economia”, afirma. “O atual governo vem demonstrando baixa capacidade do ponto de vista de crescimento econômico. A probabilidade de a presidente Dilma Rousseff deixar o Planalto aumentou e os preços se ajustaram a isso”, resume.
Ainda na avaliação desse gestor, os investidores locais estão “um pouco mais céticos” em relação à velocidade com que as mudanças no cenário podem ocorrer. “Mas acho que os locais estão se posicionando também”, acrescenta.
A dificuldade é mensurar o tempo de permanência desse investidor estrangeiro – e, portanto, a duração do movimento de alta, na avaliação do analista da Clear Corretora, Raphael Figueredo. “Entendo que esse recurso é um dinheiro oportunista. Mas também entendo que (o montante) ainda está muito aquém do que pode vir”, afirmou. Assim como Mariante, Figueredo entende que o atual fluxo estrangeiro não tem a capacidade de mudar a tendência baixista de médio prazo, justificada em fundamentos macroeconômicos ruins. “Não acho que é um fluxo para mudar tendências e travar a queda do Ibovespa. O dinheiro pode vir a sair na mesma velocidade com que entrou”, diz.
Mark Webb, profissional da XP Investimentos baseado em Nova York, diz que percebeu uma mudança na expectativa dos investidores com relação ao Brasil. Muitos agentes que estavam com visão pessimista quanto ao País passaram a comprar o que é mais fácil em um primeiro momento, ou seja, as ETFs. Mas, no início desta semana, passaram a selecionar ações que de fato gostam para alocação. “No início, parte do movimento foi bastante técnico, com reversão de posições vendidas, compras motivadas pelo fato de determinados papéis terem ficado muito baratos e pela dificuldade de apostar na venda”, explica Webb.
Gulbrandsen diz que o momento atual é de duas bolsas de valores distintas. A primeira é composta por ações que, desde a semana passada, subiram significativamente com o rali. A segunda é formada pelas demais. “Com isso, fica fácil tomar decisões de compra. O melhor é comprar os papéis que não acompanharam o rali”, afirma, ao relatar que hoje vê com bons olhos ações de empresas que sofreram ao longo dos últimos anos por causa de inflação, como as do setor de consumo. “Se houver uma mudança de governo, é possível que uma eventual nova equipe econômica combata mais a inflação”, diz. “O que ouço de investidores estrangeiros é de que não há mais a crença na recuperação da economia com o governo atual.”
O saldo do estrangeiro na bolsa de valores em março já é de mais de R$ 4,8 bilhões. No ano, totaliza quase R$ 7 bilhões. Esse fluxo bilionário de não residentes em apenas quatro pregões em março alterou profundamente o retrato do giro financeiro na Bovespa. Na sexta-feira, dia do recorde de fluxo estrangeiro, o volume negociado (R$ 16,979 bilhões) foi o maior desde 27 de outubro de 2014 (R$ 17,807 bilhões), quando se observa somente os pregões sem vencimento de opções. Àquele dia, os analistas e investidores no mercado de ações repercutiram nos preços a reeleição de Dilma Rousseff, e o Ibovespa encerrou em queda de 2,77%.