Há um ano, o bailarino Thiago Soares começou a traçar um plano cujo momento mais emocionante vai acontecer no próximo dia 29: na noite deste sábado, ele vai se despedir do Royal Ballet, de Londres, uma das mais importantes companhias do mundo. Será o final de um ciclo e o início de um novo. Afinal, foi lá que ele ingressou em 2002, depois que suas atuações internacionais impressionaram os membros do Royal. Apresentações tão especiais que logo, em 2006, Soares assumiu o ambicionado posto de primeiro-bailarino da companhia inglesa.
"Minha carreira se assemelha à de um rapaz que entra em uma empresa como porteiro e logo chega a CEO", festeja o bailarino, cuja despedida é assunto dos principais jornais britânicos – o Financial Times, por exemplo, dedicou-lhe uma generosa matéria, na qual destaca as interpretações inteligentes que Soares conferiu a papéis complexos, além de resumir a acertada decisão de parar: "A vida de um príncipe de balé é cruelmente curta e, ainda no auge, com seus 38 anos, ele faz sua última reverência em Covent Garden para iniciar uma nova vida como intérprete, coreógrafo e professor", diz o jornal.
"Sim, decidi parar de dançar quando ainda estou em um ótimo momento da minha carreira, mas continuarei no palco, agora como um dançarino autônomo." Soares conversa com o jornal <b>O Estado de S. Paulo</b> por telefone desde Londres, enquanto prepara a apresentação de sábado. Ele decidiu dançar Onegin, coreografia criada por John Cranko em 1965, com música de Tchaikovski – não a conhecida partitura criada em 1878 para a ópera homônima, mas com obras menos conhecidas do compositor russo. "Escolhi Onegin porque é um trabalho com diversos duetos e que me permite apresentar variações do meu trabalho."
De fato, a coreografia une técnica primorosa a um forte trabalho de interpretação, justamente as duas qualidades mais marcantes na dança executada por Soares. Com suas particularidades latinas depuradas pela técnica, o brasileiro levou novos elementos ao consagrado corpo de baile britânico. Foi um casamento perfeito. "Ao longo dos anos, percebi que no Royal existia um jeito próprio de dançar, muito próximo da atuação teatral. O personagem fala através do corpo, com forte carga dramática – certamente há algo da tradição de Shakespeare. E, graças à minha experiência com street dance, consegui me adaptar com facilidade."
Ao contrário dos grandes bailarinos, que vestem sapatilhas ainda crianças, Soares teve um início tardio. Nascido em Niterói em 1981, ele ingressou no Centro de Dança do Rio quando estava com 16 anos, para dançar jazz. Na época, graças à insistência de uma professora, iniciou o aprendizado de balé clássico. Logo, descobriu sua aptidão: em 1998, ganhou medalha de prata no Concurso Internacional de Dança de Paris e, ao retornar ao Brasil, é convidado a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio.
Soares já revelava as qualidades que o destacavam, uma fisicalidade e um carisma inatos. "Era um gladiadorzinho", brinca. Em 2001, participou do Concurso Internacional de Ballet do Teatro Bolshoi, na Rússia, e conquistou a medalha de ouro. Mais que isso: chamou a atenção de Makhar Vaziev, então diretor do Mariinsky Ballet, que o convidou para ficar. Vaziev ficara impressionado com um detalhe: as aterrissagens assustadoramente macias feitas por Soares depois dos saltos, conseguindo pousar na ponta dos dedos e vagarosamente até descer o calcanhar.
Precisou de pouco tempo para chegar ao Royal Ballet, no qual ingressou como Primeiro Artista em 2002, iniciando uma rápida ascensão: promovido a Solista em 2003, Primeiro Solista no ano seguinte até chegar a Principal em 2006, posição que deixou no ano passado, quando passou a ser o principal dançarino convidado.
Após a apresentação no sábado, Soares vai focar em sua carreira solo. E a agenda já está recheada: no dia 8 de maio, ele inicia em Lisboa a turnê de Roots, em que resgata o início da sua vida artística no Rio, dançando break e hip-hop aos 12 anos, nas ruas e festas da zona norte. O espetáculo vai, em seguida, para Berlim.
No meio do ano, Thiago Soares inicia aulas na escola de verão do Royal Ballet e ainda não descarta uma montagem de Yerma, de Villa-Lobos, para o Municipal do Rio, cidade onde não abandona seus alunos – hoje são 12. Também prepara um livro sobre sua trajetória. "Faz um ano que trabalho nesse projeto, é quase terapêutico relembrar histórias tão boas."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>