Em 2018, mais ou menos nesta época do ano, a moeda virtual era o assunto da moda no mercado financeiro. O jornal The New York Times publicava uma reportagem registrando que, entre os aficionados, "todos estavam ficando ridiculamente ricos". No mesmo momento, o americano Chris Larsen, até então um ilustre desconhecido no mundo dos negócios, anunciava a Ripple, a sua moeda virtual para ser utilizada pelos bancos, e se tornava mais rico do que o criador do Facebook, Mark Zuckerberg – mesmo que por um breve período.
O carioca Marcelo Sampaio não chegou a aparecer na lista dos bilionários do Vale do Silício, mas poderia ter sido personagem da reportagem do Times. O engenheiro de produção, que passou por empresas como Oracle e Microsoft, começou a comprar bitcoins em 2011, quando a moeda virtual valia cerca de R$ 12, e não parou desde então. Sempre comprando, nunca vendendo. Em dezembro de 2017, viu a cotação do bitcoin bater em R$ 81 mil, para cair para R$ 56 mil duas semanas depois, em janeiro de 2018, até "se acomodar" no patamar de R$ 30 mil dos últimos meses.
Hoje, Sampaio e outros dois brasileiros – Bruno Caratori (ex-Gávea Investimentos) e Thiago Costa (que foi pesquisador da Universidade Harvard) – são donos de uma gestora de investimentos, a Hashdex, que vende cotas de um fundo que compra moedas virtuais pelo mundo para capturar os rendimentos (ou distribuir o prejuízo) do setor entre os cotistas. O produto é comercializado por sete plataformas de investimento, incluindo a XP e o BTG Pactual, e já chamou a atenção da Nasdaq – a Bolsa de Valores eletrônica de Nova York -, que está comercializando a tecnologia por trás do produto: uma espécie de "Ibovespa" das criptomoedas, um índice com as principais moedas virtuais para a diversificação dos investimentos na área.
<b>Holofote</b>
O produto brasileiro chega no momento em que grandes investidores voltaram a demonstrar interesse pelo bitcoin, recolocando a criptomoeda no holofote. No fim do ano passado, o fundo soberano de Abu Dhabi comprou uma corretora de criptomoedas. Também o respeitado fundo patrimonial da Universidade Yale, o segundo maior do tipo nos Estados Unidos, alocou US$ 400 milhões em uma única gestora de moedas digitais, a Paradigm.
De olho nesse movimento, os gestores de ativos começam a replicar estratégias do mercado tradicional justamente com o intuito de capturar a atenção dos grandes investidores. Vale desde a constituição de fundos de investimento multimercado, que divide a alocação dos recursos em bitcoins e em títulos de renda fixa, até a regra de diversificação de aportes em diferentes produtos do mesmo setor. "Foi daí que nasceu o nosso índice", afirma Sampaio. O raciocínio foi que investir em uma cesta em vez de numa única moeda seria a única forma de reduzir os riscos da alta volatilidade do setor ou de derretimento da moeda. "Entre comprar uma ou outra criptomoeda, eu resolvi comprar um pouco do mercado inteiro. Daí nasceu a ideia de compor um índice como o Ibovespa ou o S&P 500."
Sampaio conta que rodou o mundo atrás de alguém que pudesse fazer algo similar para o mercado de criptomoedas. "Um dia, me indicaram um especialista no assunto pela Universidade de Princeton. Era um brasileiro que morava a quatro quadras da minha casa, no Leblon", conta. A indicação era Axel Simonsen, economista com passagens pela Bradesco Asset Management e pela gestora Vinci Partners. "Eu não conhecia nada de criptomoedas. Mas descobri algumas familiaridades com o mercado de ações, como valor de mercado e liquidez que cada moeda tinha, além de outros critérios, como a empresa responsável pela custódia digital das moedas", diz o especialista, que hoje trabalha na tesouraria do Itaú BBA, e levou três meses para produzir o índice.
<b>Nasdaq</b>
O índice foi inaugurado no fim de 2018 com nove ativos. Hoje, são 13. O bitcoin, que na última sexta-feira tinha valor de mercado de US$ 146 bilhões, exatamente o mesmo valor da Netflix, tem um peso de 77% na cesta. Até agora a ideia tem funcionado.
O índice acumulou alta de quase 60% em 2019 e chamou a atenção da Nasdaq, a Bolsa de Valores eletrônica americana, que começou a comercializar o índice para outros fundos interessados.
Até agora o índice da Hashdex tem sido utilizado apenas pela gestora, que lançou quatro fundos de investimentos que alocam os recursos na cesta de moedas digitais. No Brasil, a legislação não permite aportes diretos em moedas virtuais. O Banco Central não considera o bitcoin e seus correlatos como um ativo financeiro. Para driblar o problema, Sampaio e seus sócios replicaram uma estratégia adotada por um outro brasileiro, Glauco Cavalcanti, da BLP Asset. Em 2018, Cavalcanti desenvolveu uma solução com a Comissão de Valores Mobiliários, fiscal do mercado financeiro. Ele criou um fundo nas Ilhas Cayman, no Caribe, e lançou no Brasil um segundo fundo, que aplica todo o seu dinheiro no "primo" estrangeiro. Em tese, cada R$ 1 alocado no fundo brasileiro é convertido em dólar e segue para o fundo espelho do paraíso
"Esse é um mercado muito novo, tudo que acontece aqui é na base do teste, mas acredito muito no modelo de investimento em criptomoedas via mercado de capitais, por isso o interesse de tanta gente", diz Pedro Padilha, responsável pela seleção de fundos no portfólio da Genial. Para Steve Koshansky, que liderou o laboratório de iniciativa em moedas digitais do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o mercado tende a prestar mais atenção no setor com o avanço de novas métricas por parte da indústria. "Alguns grandes investidores começam a ver esse mercado como uma classe única de ativos, onde tem valor aplicar uma pequena porção no portfólio", diz. Ele lembra que existem outros índices no mercado, como o da americana Bitwise, que adota a estratégia de ranking das dez maiores moedas.
<b>Moeda virtual vira opção para fundos no exterior, diz estudo</b>
Um estudo realizado no ano passado pela revista britânica Global Custodian, especializada em tecnologia para o mercado financeiro, mostrou que 94% dos principais fundos patrimoniais dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra – conhecidos como "endowment funds", criados para captar e gerir doações – possuem hoje algum tipo de exposição em ativos no mercado de moedas virtuais. A pesquisa ouviu administradores de 150 fundos, sendo 89% deles dos Estados Unidos.
Esses gestores afirmaram que, apesar das preocupações em torno da regulamentação do mercado e de dificuldades com a liquidez dos ativos, os fundos vão continuar a investir em moedas virtuais como forma de diversificação. A opção vem sendo adotada para ampliar a exposição em risco em um mercado, hoje, dominado por rentabilidade praticamente nula ou até negativa na renda fixa.
O levantamento mostrou ainda que 54% dos fundos investem diretamente em moedas, enquanto 46% optaram por aportes por meio de fundos de investimento. Atualmente, existem cerca 40 fundos de investimento em criptomoedas pelo mundo.
No Brasil, seis fundos estão registrados na CVM – quatro deles da Hashdex e dois da BLP. A diferença entre eles é o perfil, mas ambos funcionam como os chamados fundos multimercados, que têm a maior parte do patrimônio na segurança de títulos de renda fixa e uma parcela minoritária flutuando no risco.
Os fundos mais acessíveis têm 20% do patrimônio em moedas virtuais e 80% em títulos públicos. A versão turbinada, para investidores que declaram ter mais de R$ 1 milhão em ativos no mercado financeiro, permite até 40% do portfólio em moedas virtuais. A taxa de administração vai de 1% a 1,5% ao ano.
Para o especialista em moedas virtuais Safiri Felix, presidente da associação que reúne as corretoras que atuam no segmento (ABCripto), o modelo de fundos de investimento deve ganhar espaço nos próximos anos, embora ainda não se definiu um regimento adequado para esses produtos. "Muitos fundos tentam diversificar com outras moedas, mas todas elas guardam ainda muita correlação com o bitcoin. Isso pode mudar no futuro, mas hoje não adianta muito diversificar: quando o bitcoin cai, caem todas da mesma forma", diz. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>