Quando recebeu o convite para participar de um programa cultural no México com o objetivo de desenvolver objetos para os dias de hoje, tendo como base processos e materiais ancestrais, o designer paraibano Sérgio Matos (@sergiojmatos) vislumbrava, a princípio, enriquecer o seu já rico repertório de técnicas de trançagem de fibras naturais. Não que o contato com a palma, matéria-prima genuína, o tenha decepcionado. Mas, sob todos os aspectos, segundo ele, a experiência foi muito mais além.
"De repente, percebi que aquelas luminárias, que estavam prestes a serem expostas no Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México (@mnantropologia) carregavam grafismos ancestrais ligados à memória da etnia indígena Otomi. Em suas tramas, elas continham as digitais de mãos femininas que mantêm viva a arte daquele povo. E, de alguma forma, eu estava colaborando para projetar a identidade deles. Nesse momento, ficou claro para mim o quanto a experiência tinha valido a pena", declara Matos.
Ele foi um dos cinco designers brasileiros convidados pela Design Week México (designweekmexico.com) e pela Embaixada do Brasil para participar do projeto Visão e Tradição – programa de intercâmbio entre designers de várias partes do mundo e artesãos mexicanos, que a cada ano elege uma nação participante. É a primeira vez que o Brasil integra a iniciativa. O bem-sucedido trabalho conjunto entre os profissionais dos dois países pôde ser conferido no célebre museu mexicano até este sábado, 5 de novembro.
"Tive a sorte de ter sido escolhida para colaborar com o Cecílio. Um mestre que, além de trabalhar o barro de forma primorosa, é um especialista em miniaturas. Juntos elaboramos a série Corpo Suspenso. Vasos que falam sobre a morte, mas muito a partir da cultura mexicana, na qual ela é muito presente. Ao contrário da nossa, que evita o assunto", explica Nina Coimbra (@ninacoimbra), que trabalhou com o artesão Cecílio Sánchez Fierro, na cidade de Metepec, situada na área metropolitana de Toluca.
AFINIDADE. Como já havia trabalhado antes com argila e, desde há muito, interessada no tema Árvore da Vida, a designer lembra que a afinidade entre os dois se estabeleceu de imediato. "Acho que acabamos realizando uma simbiose entre nossos procedimentos e ideias. Mas, ao mesmo tempo, não abrimos mão das particularidades de cada um", considera Nina, que dotou seus vasos de uma espécie de membrana, formada por pequenas caveiras, tipicamente mexicanas, suspensas em uma tela de arame.
Também realizando seu processo de imersão em Metepec, a designer Maria Fernanda Paes de Barros (@_yankatu_) trabalhou com o artesão Sergio Hernández. Juntos, os dois desenvolveram Caminho da Alma – uma luminária pendente, dotada de um movimento sinuoso, que remete à lenda da Serpente Emplumada mexicana. Um artefato luminoso feito com papel de seda picado, técnica à qual Hernández se dedica há décadas.
"Mergulhar nas tradições mexicanas foi um processo intenso, tanto pelo curto espaço de tempo disponível quanto pela profundidade do mergulho", considera a designer. "Hernández é um artesão que já viajou o mundo compartilhando seus conhecimentos sobre a técnica de reelaboração do papel picado. Em nossas conversas, percebemos que nós dois entendemos a vida como uma passagem e acreditamos que compartilhar o que sabemos é a melhor maneira de contribuirmos com ela", afirma Maria Fernanda.
Alocado na cidade de San Antonio La Isla, o alagoano Rodrigo Ambrosio (@ambrosio) se uniu ao artesão Víctor López e à sua família que, há gerações, se dedicam à confecção de brinquedos de madeira torneada. E, foi inspirado pelo universo lúdico e imaginário sugerido por seu parceiro que ele desenvolveu a linha de mesinhas para aperitivos La Pirinola. Inspirado no jogo, comum a ambos os países, que consiste em fazer girar um dado atravessado por um eixo, que traz palavras impressas em suas faces.
"Há mais de 40 anos, o senhor Víctor dorme e acorda produzindo brinquedos. Perto de vulcões ativos, pirâmides e recentes terremotos. Apesar de parecer uma pessoa sisuda, séria, alguém que trabalha com brinquedos, para mim tem, naturalmente, uma imaginação fantástica. E, por coincidência, eu, que adoro trabalhar com peças lúdicas, tenho uma verdadeira adoração por peões. São essas conexões que a gente não consegue desvendar. Só posso dizer que foi um aprendizado grande", resume Ambrósio.
IMERSÃO. Abraçando em suas luminárias os conceitos da ancestralidade e tradição, o designer Sérgio Matos realizou sua imersão na oficina María Molina, em San Cristóbal Huichochitlán, comunidade indígena localizada ao norte da cidade de Toluga. Teve como parceiras de trabalho a matriarca de uma família indígena e suas filhas, que produzem tecido vegetal a partir do trançado de ramos de palma. Mais uma vez, por um capricho do destino, o trabalho virou matéria-prima de muitas peças concebidas pelo designer no Brasil.
"O design tem me levado a lugares que nem em sonhos eu podia imaginar conhecer. À parte os lugares, o mais encantador tem sido conhecer culturas e pessoas tão incríveis. Tive a grande honra de conhecer a senhora Molina e suas filhas, do povo Otomi. Juntos desenvolvemos peças que carregam a identidade do seu povo por meio de tramas que ela propaga até hoje. Por isso, como designer e homem, me sinto honrado de participar desse processo", conclui Matos. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>