Quarenta e oito obras do acervo do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), que havia décadas ornamentavam os Palácios do Planalto e da Alvorada, em Brasília, estão sendo devolvidas à instituição, com sede no Rio. O primeiro lote, de 20 peças, chegou na quarta-feira, 28. As outras 28 estão sendo transferidas nesta semana. O acervo inclui obras famosas de artistas como Cândido Portinari, Djanira da Motta e Silva, Alberto Guignard e Eliseo Visconti, a maioria produzida entre o século 19 e a década de 1920. Quando for encerrada a devolução, não restará mais nenhuma obra do MNBA cedida à Presidência da República.
“As peças haviam sido cedidas pelo museu à Presidência em contratos de comodato, que eram renovados a cada quatro ou cinco anos, continuamente. Mas a maioria estava com a Presidência havia muito tempo – as obras mais antigas foram cedidas em 1956, quando ainda ornamentavam o Palácio do Catete (sede da Presidência quando a capital federal ainda era no Rio), e as mais recentes estão em Brasília desde 1991. Todas eram avaliadas periodicamente por técnicos do MNBA, para evitar deterioração, mas, ainda assim, precisam ser submetidas a uma avaliação e restauração mais detalhadas. Além disso, elas serão mais bem utilizadas no acervo do museu. Enquanto estavam nos palácios, não podiam participar de outras exposições nem ser objeto de análise por especialistas”, justifica a diretora do MNBA, Mônica Xexéo. “Por essas razões, o museu pediu à Presidência da República a devolução das obras e foi prontamente atendido.”
A negociação começou em novembro, e a entrega das peças está sendo coordenada por Antônio Lessa, diretor do Departamento de Documentação Histórica do gabinete pessoal do presidente Michel Temer. O primeiro lote foi levado de Brasília para o Rio em um avião da FAB, em uma viagem que foi mantida em sigilo por causa do alto valor das obras transportadas.
Polêmica
A devolução das obras revoltou a arquiteta Maria Elisa Costa, filha do urbanista Lúcio Costa (1902-1998), parceiro de Oscar Niemeyer (1907-2012) na construção de Brasília. Nas redes sociais, ela conclamou a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Katia Bogea, e depois o próprio Temer a manter as obras em Brasília. Maria Elisa classificou a retirada das peças como “uma traição a Juscelino (Kubitschek, presidente da República que idealizou a nova capital) e a Brasília”. “Brasília nasceu sob o signo da arte, e para marcar essa presença, o que fez nosso JK? Conseguiu que o Museu de Belas Artes da antiga capital lhe cedesse uma bela coleção de obras a serem colocadas nos palácios de Brasília, como a dizer: aqui, poder e arte convivem cotidianamente.”
Após constatar a retirada das obras, a arquiteta subiu o tom das críticas: “Na moita, os palácios da capital brasileira foram depenados das obras de arte que JK teve a sensibilidade e a sabedoria de levar para a Capital recém-construída por ele, onde ficaram por 40 anos”. Ela alega que os quadros sempre foram conservados adequadamente e estão em perfeito estado.
A diretora do museu discorda. “Brasília continua dispondo de um acervo artístico muito significativo. A Presidência da República tem muitas outras obras importantes e existem ainda os acervos do Banco Central e da Caixa Econômica Federal. Isso sem falar no patrimônio arquitetônico, pelo qual a capital é reconhecida mundialmente”, afirma Mônica.
Segundo Lessa, sem as obras do MNBA, o acervo artístico da Presidência conta ainda com cerca de 400 peças. “Estamos fazendo um novo inventário, para incluir o mobiliário, porque havia peças como cadeiras de Sérgio Rodrigues que não estavam na lista de obras de arte”, conta. “O grande empréstimo à Presidência era do Museu Nacional de Belas Artes, mas entendemos que essas obras, do ponto de vista técnico, precisam de conservação e rodízio, então acatamos o pedido de devolução”, diz Lessa.
As peças ornamentavam várias áreas destinadas a cerimônias no Palácio do Planalto (sede da Presidência da República), além do andar térreo do Palácio da Alvorada (residência oficial do presidente da República). O Palácio do Jaburu (residência oficial da vice-presidência) tem uma administração própria e não foi afetado pela devolução das obras.
“Ainda existem (no acervo) muitas peças próprias da Presidência e outras estão cedidas por instituições públicas como o Banco Central e o Museu Imperial. Essas não devem ser devolvidas, vamos no máximo substituir algumas por outras cedidas pelas mesmas instituições. Já as peças do MNBA não serão substituídas, mas começamos a estudar a possibilidade de fazer uma exposição temporária em Brasília no próximo ano”, conta o assessor de Temer.
Volta ao museu
As obras que estão voltando para o Rio devem ser expostas novamente no segundo semestre de 2017. Antes, passarão por restauração. “As peças foram submetidas a uma vistoria antes de sair de Brasília e a outra assim que chegaram aqui. Agora, vão ser analisadas mais cuidadosamente por restauradores, sofrer os reparos necessários e enfim liberadas para exposição, seguindo os protocolos de cada tipo de peça”, conta a diretora do MNBA. “Há obras que exigem cuidados específicos, como um conjunto de desenhos de Portinari, que por ser um material sensível até à luz não pode ficar mais de três meses em exposição”, narra também Mônica Xexéo.
Segundo ela, em Brasília esses desenhos não estavam expostos, mas guardados numa espécie de reserva técnica. “O lugar correto para expor essas obras são os museus, que têm mais capacidade de conservá-las. Além de serem restauradas, agora as peças poderão integrar mostras tanto no próprio museu como itinerantes e serem vistas por mais gente”, acrescenta Mônica.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.