Em audiência realizada no Congresso Nacional nesta sexta-feira, 13, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Butantan voltaram a divergir sobre o acerto ou não de interromper testes da Coronavac, imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o laboratório paulista.
O diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que a "politização" sobre este e outros episódios que envolvem a imunização cria clima contrário às vacinações. "Todas as questões relativas às vacinas obviamente que têm impacto na população", afirmou ele, citando queda em coberturas de vacinação de poliomielite e sarampo.
Covas disse que "correr para essa vacina" é "fundamental". Além disso, pediu "bom senso" em decisões sobre a pandemia. "Vivemos tempos excepcionais, de urgência e calamidade. Nada melhor do que o bom senso em favor da vida. Obviamente que não deixaremos sem esclarecimento nenhum evento, nenhuma reação adversa que seja suficiente para interromper ou causar alguma dificuldade ao estudo", disse ele.
A agência anunciou a suspensão na noite de segunda-feira, 9, e o retorno dos testes na tarde de quarta, 11, após análise de um "evento adverso grave inesperado". O governo paulista negou relação do caso com a vacinação. O mal-estar entre a Anvisa e o instituto se agravou após o presidente Jair Bolsonaro tratar, nas redes sociais, a interrupção como uma vitória pessoal sobre o governador João Doria (PSDB).
No Congresso Nacional, o presidente da Anvisa, contra-almirante Antonio Barra Torres, afirmou que a interrupção dos estudos foi "técnica" e defendeu a autonomia e isenção do órgão. "Interferência política na agência, são duas palavras: não há."
O militar voltou a dizer que recebeu informações incompletas do Butantan. Segundo Barra Torres, não bastava a palavra do instituto para esclarecer o caso, mas do comitê internacional de segurança. "Não restava ao decisor nenhuma outra conduta na noite de segunda-feira, diante de informações incompletas, outra atitude senão parar o processo, sob risco de que outro cidadão fosse atingido pelo mesmo problema", disse.
Já o diretor do Butantan afirmou que não acionou antes o comitê internacional, pois a análise do centro de pesquisa que conduzia o caso era suficiente. "Essa é a conclusão importante, que foi oferecida à Anvisa. Um evento não relacionada ao produto", disse.
Os parlamentares pediram que Anvisa e Butantan enviem ao Congresso a troca de informações feitas entre os órgãos, para avaliar se houve alguma falha.
<b>Comunicação falha</b>
Butantan e Anvisa também divergiram sobre a forma em que a interrupção dos estudos foi comunicada.
O presidente da agência reguladora disse que não houve falha. Para ele, o que pode gerar "resistência" na população sobre as vacinas não é a suspensão do estudo, mas dar tratamento diferenciado a uma pesquisa específica. "O que entendo que pode gerar resistência na população é não tratar rotina como rotina, tratar como caso especial. Interrupção de protocolo de desenvolvimento vacinal é rotina", disse Barra Torres.
Já o diretor do instituto reclamou do aviso na noite de segunda-feira, 9. Ele afirma que, mesmo notificado, só soube da decisão pela imprensa, pois "não existe funcionário de plantão" para acessar este tipo de informação à noite.
Para Covas, a comunicação poderia ter sido feita na manhã seguinte, quando havia reunião marcada entre o instituto e a agência. "Aí já havia feito toda a comunicação de imprensa, politização, manifestação. Isso obviamente não é positivo. É negativo", disse ele.
O diretor do Butantan disse que não houve "efeito prático" por causa da interrupção. "Efeitos maiores foram políticos, decorrente da forma como aconteceu, no momento que aconteceu."
<b>Guerra política</b>
Dimas Covas voltou a afirmar que espera apoio do governo federal na compra de doses da Coronavac. Segundo ele, o impacto financeiro será "imenso" sem o investimento do Ministério da Saúde.
Ele lembrou que houve acordo preliminar com o Ministério da Saúde sobre a compra das vacinas. "Esperamos que esse interesse permaneça." No fim de outubro, no entanto, Bolsonaro desautorizou o ministro Eduardo Pazuello e disse que a parceria não será feita.
A "guerra política" sobre as vacinas também pressiona a Anvisa. O presidente da agência reconheceu que a disputa existe, mas negou impacto no órgão. Parte das críticas à Anvisa, no entanto, ocorrem justamente porque Barra Torres esteve em ato pró-governo, sem máscara, ao lado de Bolsonaro, em 15 de março. A manifestação foi marcada por aglomerações, pedidos de intervenção militar e provocações ao Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF).
No momento em que isenção da agência é questionada, Bolsonaro indicou na quinta-feira, 12, o nome do tenente-coronel Jorge Luiz Kormann à direção do órgão. Nas redes sociais, o militar endossa manifestações contrárias à Coronavac, OMS e outras teses reprovadas dentro da própria Anvisa. A aprovação do novo diretor exige aval do Senado.